sexta-feira, 20 de julho de 2012

Cada Dia é um Milagre (Yasmina Khadra)

O suicídio da mulher - e as razões desse suicídio - apanham Kurt Krausmann de surpresa. Amava Jessica acima de todas as coisas e não consegue conceber a ideia de viver sem ela. A mágoa arrasta-o para a apatia. Mas Kurt não está sozinho e, numa tentativa de o levar à recuperação, o amigo, Hans, pede-lhe que o acompanhe na sua viagem às Comores, onde o seu projecto de ajuda humanitária toma forma. Mas a viagem corre muito mal e o momento em que o veleiro é atacado marca o início de um longo pesadelo feito de humilhações, maus-tratos e tédio. Prisioneiro dos piratas, Kurt tenta sobreviver, mas a vontade humana é falível. E, mesmo que sobreviva, as marcas ficarão para sempre...
De grande impacto emocional e reflectindo de forma profunda e marcante sobre as características (boas e más) que definem a natureza humana, Cada Dia é um Milagre marca pela envolvência de um enredo que tem tanto de tragédia como de história de redenção, mas também pelos temas importantes e complexos que aborda e pela mestria com que o autor os desenvolve: com a profundidade que merecem, mas sem que a narrativa se torne densa ou demasiado lenta no ritmo dos acontecimentos. 
No fundo, tudo se resume a um contraste de opostos: perda e recuperação, ódio e perdão, ruína e redenção. Mas há toda uma vastidão de meios e de circunstâncias a servir de base para estes contrastes, partindo, desde logo, das razões aparentemente incompreensíveis para o suicídio de Jessica e evoluindo para um cenário mais negro, mais perturbador, com a luta pela sobrevivência a sobrepor-se a todas as sombras do passado, mas despertando uma série de novos demónios. Enquanto refém, Kurt luta contra o medo e contra a violência dos seus captores, mas também com os demónios que ganham poder no seu interior: o desespero ante a passagem do tempo sem mudanças, o perpetuar das privações, a vontade quase irresistível de fazer alguma coisa ou simplesmente desistir.
Mas o contraste não se define apenas nos valores (ou falta de) e nas circunstâncias individuais. Na verdade, é nas diferenças globais que o contraste mais se evidencia. Na vida de Kurt em Frankfurt por oposição ao lado tenebroso que é o que encontra na sua permanência em África, não se exploram somente as dificuldades e tormentos do prisioneiro. Explora-se também a diferença de mentalidades e culturas, o medo do preconceito e as reacções exageradas de quem com ele viveu demasiado tempo, a forma como ideais se reduzem a pó quando transpostos para uma realidade cruel. As questões levantadas são vastas e relevantes. A abordagem é precisa e marcante. O resultado é uma leitura que fica na memória.
Trata-se, portanto, de uma leitura que é, em simultâneo, envolvente e perturbadora, com uma história marcante em que o medo e a violência andam lado a lado com um percurso de aprendizagem e da redenção possível. Impressionante e com uma escrita belíssima, um livro fascinante.

1 comentário:

  1. Olá!
    Tenho um selo para o teu blog. http://showmagic-k.blogspot.pt/2012/07/selo_20.html

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