quinta-feira, 29 de novembro de 2012

The Voice (Anne Bishop)

Na aldeia de Nalah, fugir à tristeza parece ser fácil: basta visitar a rapariga muda a quem chamam A Voz e oferecer-lhe um bolo. A Voz sorri-lhes, come o bolo oferecido e todos saem da sua sala de visitas a sentir-se melhor. Mas há um mistério - e algo de magia - na razão para que A Voz tenha esse poder, ainda que ninguém o questione. Ninguém, excepto Nalah, que, no dia em que vê as cicatrizes que desfiguram a orfã, começa a perguntar-se sobre o que lhe terá acontecido para se tornar quem é. Basta um conflito com alguns rapazes, um vislumbre da pela marcada, e todas as percepções do mundo mudam. Nalah começa a questionar a forma de vida na sua aldeia e os comportamentos cruéis dos seus conterrâneos. E, depois de uma viagem reveladora, começa também a engendrar um plano.
Uma das muitas características que tornam fascinantes as histórias de Anne Bishop é a sua capacidade de conjugar comportamentos e circunstâncias contraditórias para criar momentos de forte impacto emocional. Diferentes formas de vida e posições perante os outros criam contrastes e choques, num impressionante equilíbrio entre os inocentes e os cruéis, os corajosos e os indiferentes. Nenhum carácter é exactamente a preto e branco, mas os contrastes são vincados, em parte devido à implementação de uma forma de pensar "adequada" que se revela pelo que é - uma imposição - depois de se conhecer a alternativa. Todo o percurso de Nalah é um exemplo disso mesmo, do crescimento desde a aceitação das regras da aldeia à necessidade de agir, tanto quanto possível, para mudar o que conseguir ou para salvar os que puder. E é esse seu percurso, pautado pela emoção e por uma percepção cada vez mais lúcida das circunstâncias, que confere à sua história a imensa intensidade que, em cada momento, se revela.
As personagens não são apenas complexas na sua diversidade de atitudes e formas de pensar. São também profundamente humanas. Também isto se reflecte, principalmente, na protagonista e na forma como opõe um espírito combativo aos perigos circundantes e até às suas dúvidas e mágoas interiores, mas também nalgumas das figuras que a acompanham na sua jornada. O secretismo de Tahnee, que esconde o seu próprio plano, as marcas deixadas em Kobrah pelo tormento imposto pelo marido e a impotência da própria Voz reflectem também a capacidade de sentir intensamente as tristezas e as provações - e é essa capacidade que as torna tão empáticas e tão marcantes.
Ainda sobre as personagens, importa referir a forma como representam o choque de mentalidades, visível não apenas pelas diferenças entre a aldeia e o exterior, mas também pela reacção das figuras importantes da aldeia a qualquer comportamento divergente. Levantam-se assim, ainda que de forma relativamente discreta, várias questões interessantes relativamente à necessidade de um pensamento próprio e de questionar, por vezes, as ideias impostas.
De referir, por último, que, ainda que esta história esteja relacionada com o mundo de Ephemera, abordado em outros livros da autora, não é necessário grande conhecimento prévio do mundo e da história para compreender os acontecimentos. Apresenta, aliás, um lado algo diferente desse mundo, abrindo portas para novas e interessantes possibilidades.
Cativante desde a primeira frase, com uma escrita sempre fluída e harmoniosa e uma história feita de momentos intensos e personagens empáticas, The Voice fica na memória por tantas e tão fortes razões que a impressão global dificilmente poderia ser melhor. Breve, mas impressionante em todos os aspectos, uma história belíssima.

3 comentários:

  1. Olá Carla
    Este volume não está traduzido, pois não? Leste a versão original, certo?
    bj

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  2. Olá!

    O The Voice foi lançado exclusivamente em ebook, não sei se mais tarde haverá alguma edição em papel (era bom se viesse no paperback do Bridge of Dreams, ou na tradução...). E, sim, li o original.

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  3. Ah, isso é bom para o kobo que vou receber no Natal :)

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