Ah, os anos 80... O tempo em que tudo, desde os desenhos animados às brincadeiras de rua, a música, as séries, até as simples tropelias no recreio... tudo, mas mesmo tudo, falava de aventura. Um tempo em que nem tudo estava ao alcance e muito menos era fácil de obter - mas em que a liberdade se gritava aos quatro ventos e tudo era bem menos analisado. Crescer nos anos 80 podia implicar um ou outro braço partido de uma aventura mais perigosa - mas trazia também a certeza de não ter medo de nada (ou, pelo menos, não o admitir). E o que é certo é que as memórias desse tempo continuam a despertar nostalgia a quem o viveu.
Olhando para o mundo como o vemos hoje, e para todas as mudanças que ele trouxe, é difícil não pensar no passado com uma certa mistura de distância e nostalgia. Mas, para quem passou por experiências como a de tentar reanimar uma cassete com uma caneta ou de trautear ininterruptamente a música do genérico do Dartacão, esta viagem ao passado dificilmente poderia ser mais promissora. E, em jeito de contextualização, começo por dizer que eu cá sou do ano da graça de 1986, o que significa que vivi o suficiente desta era para lhe sentir a nostalgia, embora não conhecendo todas as referências citadas neste livro. O que me põe numa posição particularmente agradável: a de, por um lado, lembrar as coisas que, de alguma forma, marcaram a minha infância e, por outro, a de descobrir coisas que não cheguei a conhecer.
Ora, desta posição privilegiada, consigo ver o atractivo deste livro como tendo duas facetas. Por um lado, para quem viveu os anos 80, como uma fonte de nostalgia e de memórias agradáveis. Para quem não os viveu, como uma jornada de descoberta do passado - com todas as suas peculiaridades e bizarrias que foram precisamente o que o tornou tão único.
E isto leva-me ao que é, para mim, o grande ponto forte deste livro: o equilíbrio entre a experiência pessoal e as muitas referências que vão sendo faladas ao longo do livro. Mais que um enumerar de peculiaridades, este livro surge como um percurso pessoal, como que abrindo portas às memórias que a autora tem em comum com muitos outros filhos desta era. E este registo pessoal reforça a tal nostalgia, evocando os sentimentos que estas memórias provocam, sem nunca perder de vista o cuidado de de explicar os pontos marcantes a quem teve a infelicidade de nunca os conhecer.
Claro que o texto em si bastaria, com todas as suas referências conhecidas, para despertar essa tal estranha nostalgia. Mas há ainda todo um visual a complementar esta visão: o livro é, em si mesmo, um espelho das referências dos anos 80, com as imagens que acompanham o texto e os padrões cheios de cor de todo o livro a reforçar esse impacto na memória. E, com tanto para recordar e uma forma tão cativante para o fazer, difícil é não recuar no tempo, pelo menos por um bocadinho.
Eis, pois, um livro para recordar - ou para descobrir - uma era diferente de tudo o que veio depois. Um tempo de coisas mais simples, talvez, mas de que basta uma pequena memória para despertar todo um carrossel de nostalgia. Se são dos anos 80 - e também não têm medo de nada! - então este é o livro ideal para recordar. E se não são, mas querem saber como foi, então estas páginas são um belo ponto de partida. Recomendo.
Título: Sou dos Anos 80 - Não Tenho Medo de Nada
Autora: Joana Emídio Marques
Origem: Recebido para crítica