Szmulek Rosental tinha oito anos quando o mundo que conhecia começou a desfazer-se em cinzas. Primeiro, vieram os guardas, para tomar pela violência as poucas posses das famílias de Lodz. Seguiu-se a fuga apressada, a separação da família, a tentativa de sobreviver escondido numa quinta e depois em plena floresta. E depois o longo calvário da passagem por dez campos de concentração, com toda a violência, morte, medo e abusos associados. Szmulek sobreviveria para se tornar Steve Ross. Na América, tentaria estender aos outros os pequenos gestos de amor que outros lhe demonstraram em condições inimagináveis. E deixaria a sua marca. Esta é a sua história.
Quando se começa a ler um livro como este, há algo que é incontestável: basta o facto de ser uma história real para o tornar relevante. E principalmente em tempos como os de hoje, em que o ódio e a intolerância que o autor tanto se esforçou por combater parecem começar novamente a manifestar-se à luz do dia. É esse um dos aspectos mais cruciais deste tipo de livros: lembrar as consequências do ódio, o caminho a que conduziu, o sem fim de morte e de violência resultantes. Para que não se repita.
Todas estas histórias são, pois, importantes. A de Steve Ross é também inspiradora. A forma que escolhe para narrar o seu percurso, alternando entre aquilo que viveu nos campos de concentração e a vida que construiu depois da libertação, permite vislumbrar a vida para lá do inferno. Cria também um poderoso contraste entre esperança e desespero, entre os anos passados na sombra da violência e da morte e o esforço consciente por levar esperança aos que mais dela precisam. E é algo de fascinante a forma como este contraste transborda das páginas deste livro: as partes mais negras do caminho perturbam - e devem fazê-lo; o percurso posterior inspira e eleva. E, ainda assim, há outro ponto a destacar: o inferno não desapareceu após a libertação. A forma como o autor fala dos traumas que ficaram deixa isso muito claro. As marcas da violência não se apagam num dia.
Há ainda uma outra particularidade que importa destacar sobre este livro: a simplicidade da narração. É algo de impressionante a fluidez com que o autor relata o seu percurso, tanto nos momentos mais negros como no longo percurso que se seguiu. Escreve de forma simples e directa, expondo com toda a clareza pensamentos e emoções. Não se demora em pormenores de contexto - até porque, para isso, existem muitos outros livros. É de um testemunho pessoal que se trata e a impressão que fica é a de um relato feito de coração aberto. Assim, tudo se torna mais próximo e também mais avassalador.
Memória viva das consequências do ódio e testemunho pessoal de desespero e de esperança, trata-se, pois, de um livro tão importante quanto emocionalmente devastador. Devastador pela realidade contida e importante por tudo o que sobre essa verdade tem para transmitir. E memorável, claro, em todos os aspectos: pela voz, pela história, por tudo aquilo que é.
Indicação de leitura: Sonhos Reinventados, Angie Ammeline.Na Amazon Kindle.
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