Memórias de um Vampiro – Tomo 1 – Trilogia Nocturnus
Rafael Loureiro
Páginas: 200
Colecção: Via Láctea Nº 77
VAMPIROS – VERSÃO PORTUGUESA
Com a temática vampírica a ocupar os escaparates de Portugal e do mundo, a Presença dá a lume uma história sobre esta realidade, assinada em português. Nocturnus é uma trilogia literária romântica e de aventura que nos leva ao universo afectivo do vampiro, onde o amor e a honra estão acima de tudo, até da própria vida.
Apaixonado pelo gótico e pelo mito do vampiro, o autor fez uma incursão espiritual a este mundo oculto onde conheceu de perto a sua alma e os seus demónios. Decidiu então começar a descrevê-lo publicando os dois primeiros volumes em edição de autor, em 2007. Pela sua qualidade, a Presença recuperou-os, aliando-se a este jovem professor de educação física na sua missão pró-vampiros. Os segundos tomos da trilogia são respectivamente Ascensão de Arcana e A Redenção.
Acompanhe a história de um humano que se transforma em vampiro no século XVII e protagoniza uma vida de perigo durante quatro séculos. E conheça as potencialidades de um escritor português que dará que falar num mundo de sangue…
Mais informações no website do autor: http://www.trilogianocturnus.com/
O autor: Rafael Loureiro é professor de Educação Física, Mestre e praticante de artes marciais. Desde cedo manifestou o gosto pela escrita, através da poesia e mais tarde dos contos. Memórias de Um Vampiro foi publicado em 2007 em edição de autor. A sua aceitação junto do público originou uma segunda edição no espaço de um ano e a sua publicação agora com a chancela da Presença.
Excerto do livro:
«... e ele chegou numa Lua Cheia. Um Ser de vestes rasgadas e cabelo ondulante, negro como a noite em que vagueava. A sua pele, branca e imaculada como um espectro, reflectia desde o primeiro encontro a sua divindade. A sua voz mal se ouvia, falando-me como se a ouvisse na minha cabeça. «Que feiticeiro é este? Que magia é esta?» Perguntei-me de imediato. Ele contou a sua triste história. «Um Anjo.» Dizia ele. «Sou um Anjo caído.» Pedi para ele se explicar e ele contou-me tudo. Tiriel era o seu nome...»
Tradução de um fragmento de um manuscrito de Rhazalah
Datado aproximadamente de 1000 AC — Ásia
PRÓLOGO
Pelas noites dos tempos nós caminhamos em silêncio nas sombras das cidades que se elevam frias e sólidas diante dos campos de outrora. Nós escondemo-nos dos olhos humanos para assim conseguirmos sobreviver. Preferimos existir apenas nos filmes, nos livros e na imaginação dos artistas. Somos criaturas condenadas à maldição do sangue e à treva nocturna, somos Nocturnus, somos Vampiros. Somos considerados demónios... Irónico pensar assim, pois a nossa criação deve-se a um Anjo. Esse Anjo, nosso Pai e Pai de todas as Descendências de Vampiros, esse Anjo de nome Tiriel.
Tiriel foi banido do céu pelo seu ciúme da humanidade. Um dia ergueu a sua voz contra Deus, alegando que Este havia passado para segundo plano a Sua Criação Angelical e que apenas se dedicava à sua Criação Humana. Gritou, alegando que os anjos e Deus estavam juntos no Reino dos Céus desde o Princípio, e apesar de toda a sua eterna contemplação, haviam sido esquecidos aos Seus olhos. Ora, o Anjo Lúcifer, antes de ser banido para os infernos, havia usado as mesmas palavras. O Criador, ouvindo nos murmúrios dos anjos que os seus corações se começavam de novo a dividir, cortou as asas brancas a Tiriel e enviou-o para a Terra, condenando-o à imortalidade, até que este aprendesse a amar a humanidade tal como Ele a amava...
Mas não foram só as suas asas que perdeu. Perdeu igualmente a capacidade de olhar o dia, o Sol, de forma a que os seus olhos não pudessem contemplar a Luz que ele próprio rejeitara.
Conta-se que o Anjo acordou numa praia, sozinho, em terras da Ásia. Na sua nova condição, sentiu a água fria tocar-lhe os pés, o vento nocturno na sua face e o vazio do silêncio de Deus. Tiriel gritou e gritou, mas apenas o mar lhe respondia palavras que ele já não conseguia entender. Então tornou-se nómada. Passando por humano, viajou, por muitas décadas sozinho, consumido pela solidão e abandono, dormindo durante o dia protegido do Sol, que queimava a sua pele como fogo, e caminhando durante a noite que se havia tornado o seu reino. Por vezes, ficava alguns anos em tribos amigáveis, que o consideravam como sendo um sábio feiticeiro, pois não havia perdido na totalidade os dons dos Anjos. Mantinha os sentidos apurados e movia-se de uma forma tão veloz que era quase imperceptível aos olhos humanos. Mas dentro de pouco tempo partia para não voltar mais, pois nada parecia preencher o vazio que sentia no seu Ser.
Numa dessas noites, vagueando pela Ásia, encontrou um feiticeiro de nome Rhazalah. Numa Lua Cheia, Tiriel viu que a sua dor era tão profunda que se quis redimir com a morte, para assim poder voltar até ao seu Criador. Pediu então a morte a Rhazalah. Tentando «matar» a pureza de um anjo, o mago deu a Tiriel o impuro sangue humano. Mas o castigo de Deus havia sido grande e a sua imortalidade venceu... O sangue do Homem dividiu o Ser do anjo em dois: o Puro e o Impuro. Tomado pelo seu Ser Impuro, a sua revolta caiu sobre o mago, ferindo-o de morte. Quando finalmente este Ser diabólico adormeceu, voltando à sua natureza do Ser Puro, apercebeu-se do que fizera e... inconsciente do que fazia, deu do seu próprio sangue ao mago para que este conseguisse sobreviver. O poder do anjo, transmitido pelo sangue, curou as feridas de Rhazalah instantaneamente. Involuntariamente, Tiriel havia transmitido as capacidades angelicais e o dom da imortalidade ao feiticeiro e com isso a sua nova maldição. Havia sido criado o primeiro Vampiro...
Tiriel e Rhazalah ficaram juntos durante algum tempo. Em poucos dias, Tiriel viu que, tal como ele mesmo, Rhazalah havia deixado de conseguir suportar a luz do Sol. O Mago refugiava-se no seu leito ao primeiro raio da manhã para acordar quando a Lua se erguia no céu. Viu que Rhazalah havia deixado de conseguir comer, enfraquecendo a cada dia que passava e que se debatia para que o seu «Ser Impuro» não o dominasse até que a vitalidade abandonou completamente o seu corpo. Tiriel tentou curá-lo através de ervas e frutos, mas o mago rejeitava tudo, até que lhe ofereceu sangue animal e Rhazalah o bebeu, tornando-se mais forte a cada minuto que passava. Percebeu então que o corpo do homem havia morrido quando lhe deu do seu sangue, que podia comer e beber, mas o seu organismo morto não assimilava nenhum alimento. Apenas o sangue era fonte de vida para o homem nesta nova condição...
Muitas décadas passaram. O povo de Rhazalah criou vários mitos a seu respeito, baseando-se nos animais que apareciam mortos à noite sem sangue nos seus corpos, no facto de o mago não envelhecer e de apenas sair à noite. Por medo, o povo juntou-se e invadiu a sua cabana para o matar. Rhazalah, ouvindo os incitamentos que passavam de boca em boca pelos aldeões, já os esperava e, dominado pela revolta, pelo Ser Impuro, usando a sua força e velocidade sobrehumanas, dons herdados do anjo, aceitou o confronto. Durante esta batalha, num golpe desferido pela sua adaga, gotas de sangue salpicaram a sua face e escorreram até aos seus lábios. Rhazalah saboreou o sangue humano e viu que era bom, que lhe dava ainda mais força e mais poder. Assim, chacinou selvaticamente todo o seu povo, alimentando-se dele. Tiriel chegou da floresta e viu o que se havia passado... Viu o mago a beber, por entre cadáveres, do último homem vivo. Correu para os separar, mas era tarde. Rhazalah já havia descoberto o poder do sangue humano, a única fonte de onde provinha a capacidade de usar em pleno todos os seus novos poderes de... Vampiro.
A nossa história perde-se aqui durante várias décadas. Deduz-se que Tiriel tivesse caído de novo no seu sofrimento e partido para outras terras, a actual Europa.
Lá, viveu durante dois séculos em isolamento, vagueando sozinho, até que conheceu um povo, possivelmente Celta, que se dedicava à arte e à guerra. De novo a sua vontade de morrer fê-lo desafiar o guerreiro mais forte da tribo, Angus. E de novo, ao primeiro golpe de Angus, o Ser Impuro que habitava em Tiriel apoderou-se dele sem que este o pudesse controlar. E a história repetiu-se de novo, Tiriel ofereceu o seu sangue ao guerreiro em arrependimento, mas, desta vez, ensinou-o a usar apenas para o Bem a sua maldição e imortalidade, ensinou-lhe que a sede poderia ser saciada apenas com um pouco de sangue, e que não era necessária a morte de animal ou homem. Angus tornou-se um grande guerreiro e artista; desenvolveu-se tanto nestes dois campos que, ao longo dos anos seguintes, a sua velocidade e força em combate eram imbatíveis e a sua sensibilidade para a arte era admirável. Angus tornou-se num grande líder.
Tiriel partiu de novo para terras distantes para de novo se isolar. Partiu para o seio da actual África. Ao crepúsculo, antes de acordar, foi atacado por um caçador de uma tribo local. Takal cravou uma lança no coração de Tiriel. O anjo acordou e não se conseguia mover. Não se importou, pois julgava que a morte o tinha vindo buscar, que as suas orações haviam sido atendidas. Mas assim não aconteceu. Takal, como mandava o ritual da sua tribo, bebeu do sangue da sua caça. Tiriel havia sido derrotado mais uma vez. O caçador, impressionado por Tiriel não morrer, retirou a lança do seu coração e, aí, o anjo controlou Takal e falou-lhe da sua história. Ensinou-o e pediu-lhe que ficasse apenas com os animais, na esperança de o isolar de outros homens. O caçador assim fez e durante muitas décadas bebeu apenas sangue de animais, passando a fazer parte da floresta, diluindo-se nela. Com o tempo, Takal adquiriu traços e características dos animais de que se alimentava, até ao dia em que pela primeira vez bebeu sangue humano. Não se sabe como nasceu esta Descendência, mas é sabido que todos os Filhos de Takal herdaram de seu «Pai» os traços físicos animalescos e uma forte empatia para com os animais, características que se manifestam logo com o Novo Nascimento.
O último registo do Anjo Tiriel é uma história que contam os Filhos de Philion. Tiriel, ao vaguear por uma necrópole da Grécia antiga, deparou com um homem adormecido. Acordando-o, questionou-o sobre o porquê de habitar aquele local de morte e, depois de conversarem, percebeu que Philion era um sábio filósofo e fora condenado pelas ideias que defendia, tendo sido banido da cidade-estado que habitara. Então, aguardava que a mão dos Deuses lhe tirasse a vida. Conversaram durante toda a noite. Tiriel viu a imensa sabedoria daquele homem. Talvez Tiriel se tivesse identificado com ele ou talvez tivesse pena dos seus saberes desperdiçados e decidiu imortalizá-lo dando-lhe do seu sangue. Mas o coração do homem não era puro. A luxúria e a maldade escondida nele transformaram o seu corpo durante o processo do Novo Nascimento. A imortalidade oferecida pelo anjo fez com que o pecado de Philion se manifestasse no seu corpo, ficando deformado, com a pele queimada e o rosto disforme. Tiriel, apercebendo-se do que fizera, prendeu-o na necrópole, ensinou-lhe o caminho do Ser Puro e só o libertou quando viu nos olhos de Philion o verdadeiro arrependimento. Este, na sua condição e aparência monstruosa, existia nas sombras das cidades, longe dos olhares das pessoas. Toda a sua Descendência foi marcada com o seu sinal de pecado. Assim todos têm naturalmente a arte do mimetismo e de se esconderem do mundo.
Sabe-se que, depois do desaparecimento de Tiriel, Rhazalah continuou os seus estudos na magia, enfrentando o seu Ser Impuro e a sua sede de sangue. Criou uma Descendência de vampiros, a que se dá o nome de Filhos de Rhazalah, todos eles sábios também nas suas artes mágicas e capazes de grandes feitos. Registos falam de um aprendiz de mago, de nome Nemphis, que procurou Rhazalah para se tornar seu discípulo. Foi feito seu Filho e de novo partiu para a sua terra natal, no norte de África, actual Egipto, onde enveredou apenas pela magia do sangue e aprendeu a moldar o seu corpo através desta. Criou outra Descendência diferente da de Rhazalah, com estes novos saberes e capacidades. Criou os Filhos de Nemphis.
O celta Angus, com a partida de Tiriel, sentiu-se só e criou também uma Descendência, os Filhos de Angus, todos eles herdando os dons de seu Pai, tornando-se grandes guerreiros e artistas.
Todas estas Descendências evoluíram, moldando-se e adaptando-se ao devir dos tempos. Viram as aldeias a dar lugar a vilas, e as vilas a cidades. Em poucos séculos, os vampiros espalharam-se por todo mundo, tornando-se mais fortes com o passar do tempo. Caçadas e perseguições foram dirigidas contra estes «monstros» pelos humanos. Rapidamente aprendemos a esconder a nossa verdadeira natureza, tornando-nos apenas em lendas, em mitos, em histórias para assustar as crianças. Criámos uma sociedade oculta no seio da dos homens a que damos o nome de Nocturnus. As Descendências criaram pactos entre si, criaram Templos, espaços de reunião, de festas e de discussão onde, em nome de Tiriel, são proibidas lutas. Criaram também limites de reinados e divisões. Dividiram-se entre os que procuram controlar o Ser Impuro tal como Tiriel nos ensinou e os outros que se agradam de o ter, querendo inclusive fortalecê-lo em si. Esta divisão determinou muitas guerras em Nocturnus e consequentemente a morte de muitos de nós. A guerra entre os seguidores do Ser Puro e os do Ser Impuro remonta a um tempo anterior à nossa memória e resiste ainda nas noites de hoje. Mais do que do sangue humano, é do sangue daqueles que caíram nesta guerra, que se escreve a história de Nocturnus...
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