quinta-feira, 8 de julho de 2010

Este é o Tempo dos Assassinos

Histórias de morte nas suas diversas variantes, algumas de nomes sobejamente conhecidos, outros pouco falados por cá. Apesar da sua diversidade, este é um livro onde o elemento comum aos vários contos - o assassínio - resulta numa unidade sólida e, no geral, muito interessante.
De referir, antes de mais, a organização do livro. Iniciando com uma introdução pelo organizador da obra, segue-se a apresentação dos contos, por ordem alfabética dos autores, e acompanhados por uma introdução biográfica, breve, mas que funciona como um retrato bastante preciso de cada autor.
O primeiro conto, As Rosas no Vestido de Veludo, é da autoria de Alfredo Segre, e conta a história de três homens e do seu amor por uma mulher, eternizada na imagem do seu corpo coberto por um vestido negro e com uma rosa ao peito. Um conto envolvente, com uma escrita fluída e uma forte carga emotiva.
Segue-se O Meu Crime Preferido, de Ambrose Bierce. Ao ser julgado pela morte da mãe, é pedido ao narrador que conte, em jeito de defesa, a forma atroz como assassinou o tio. Particularmente interessantes neste conto são a visão de uma justiça inepta e a quase total insensibilidade com que o narrador apresenta o seu crime.
Num livro como este, não podia faltar Edgar Allan Poe. o conto é Salta-Rã e conta-nos a história do bobo do rei, que, para vingar uma humilhação, prepara ao soberano um disfarce muito especial. Um conto intenso e perturbador, escrito com a mestria característica da obra de Poe.
De Fredric Brown, temos o conto Caim, a descrição dos pensamentos de um homem que se vê nas suas últimas horas antes de ser conduzido à cadeira eléctrica. Com uma escrita fluída, ainda que não particularmente elaborada, reflexões profundamente marcantes e um final surpreendente, este é, sem dúvida, um dos melhores contos do livro.
Em Acabarás Sempre por Morrer, de Gérard Klein, é através de insinuações e ilusões que o narrador conduz à morte a sua esposa. Num conto que se apresenta como uma confissão à vítima, a história é envolvente e as reflexões são intensas, resultando num conto marcante e de leitura agradável.
De Gilbert K. Chesterton, mais conhecido pelos contos do Padre Brown, temos Os Três Cavaleiros de Apocalipse. Nesta história, três cavaleiros são enviados com uma ordem de execução, mas o excesso de obediência acaba por fazer com que esta ordem se revele invulgarmente difícil de cumprir. Um conto onde o mistério é abundante, com uma escrita elaborada, mas agradável, ainda que de ritmo um pouco lento.
Seguem-se dois contos de Guillaume Apollinaire. O Marinheiro de Amsterdão conta, em breves páginas, como um marinheiro é colocado ante a escolha entre matar ou morrer. Intenso, ainda que breve, é um conto que fica na memória. Já O Gíton, a breve história de um rapaz pouco piedoso, surge, ainda que interessante, como uma história que poderia ser bem mais desenvolvida.
Também Guy de Maupassant está representado nesta antologia com dois contos. Moiron conta a história de um professor acusado de assassinar os seus melhores alunos. Perturbador na sua globalidade, marca principalmente pela visão que Moiron tem de Deus e pela influência desse ponto de vista nos seus crimes. A Mão apresenta a história de um inglês que guarda como troféu a mão do seu maior inimigo, presa a uma corrente para que não possa fugir. E, quando o crime acontece, torna-se clara a possibilidade de que os seus medos tenham fundamento. Um conto bastante interessante e de leitura agradável.
De Honoré de Balzac, surge o conto Uma Paixão no Deserto. Depois de capturado pelo inimigo, um soldado francês acaba por conseguir escapar, para se encontrar perdido no deserto, na companhia de uma pantera. Um conto bastante descritivo, mas de leitura agradável e que surpreende por ser tão terno, tendo em conta o tema.
Mr. Preble livra-se da sua Mulher, de James Thurber, conta a história de um homem que decide matar a esposa para fugir com a sua dactilógrafa. E é do encontro entre marido e mulher que nasce este pequeno conto, breve, mas surreal e que deixa em aberto o mistério ao terminar de uma forma invulgar.
A Obra-Prima do Crime, de Jean Richerin, apresenta a história de um escritor mal sucedido que decide consumar num assassínio a sua obra prima. Fluído, envolvente e surpreendente, este conto apresenta uma visão intrigante da linha que separa realidade e fantasia.
De Marcel Schwob, o conto O Homem de Rosto Tapado, descreve os medos de um viajante que imagina noutro passageiro um assassino. Particularmente interessante nesta história a relação entre o real e os medos aparentemente infundados do protagonista.
Mais um nome bastante conhecido, o de Roald Dahl, aqui representado com dois contos. Borrego para Matar conta como, ao receber do marido uma desgradável revelação, Mary reage dando rédea solta ao seu instinto assassino. Mas é necessário que a arma do crime desapareça e o ponto alto deste conto é a peculiaridade da solução que Mary descobre. Em A Ascensão ao Céu, temos a história de uma mulher obcecada com os atrasos e do marido que não resiste a atormentá-la. Interessante e bastante misterioso, este é mais um conto que surpreende.
Segue-se O Método Blessington, de Stanley Ellin. Tradwell recebe a visita do representante de uma estranha sociedade, que promete livrá-lo definitivamente de um dos seus "problemas". Perturbador e envolvente, este é um conto que fica na memória bem depois de terminada a loucura. Com um tema marcante, este é, para mim, o melhor conta da antologia.
Uma Rosa para Emily, de William Faulkner, apresenta a história de uma mulher não tão frágil, pobre e inocente como a vizinhança parece crer. O ponto alto deste conto é a descrição atenta da vida em comunidade.
E o último conto é Assassínio com Premeditação, de Witold Gombrowick. Quando o juiz H. se desloca a casa do senhor K, descobre que o seu anfitrião morreu e, na sua mente, começam a surgir teorias de um assassínio aparentemente impossível. Um conto com uma escrita fluída e agradável, ainda que a variação de teorias e reflexões do juiz o torne um pouco confuso.
Balanço final da leitura: com vários contos magistrais e nenhum menos que bom, este é, sem dúvida, um livro que vale a pena ler. Intenso, misterioso, perturbador e envolvente, contém em cada conto uma nova surpresa e a diversidade de situações curiosas faz com que nunca se perca o interesse da leitura. Muito bom e altamente recomendado.

1 comentário:

  1. Não conhecia esta antologia, mas agora fiquei com muita vontade de o ler. Não é o tipo de livro que seja muito editado em portugal (infelizmente) e por isso vou compra-lo assim que puder.

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