sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O Longo Inverno (Ruta Sepetys)

A vida de Lina muda na noite em que a polícia soviética invade a sua casa. Sonhos e esperanças desvanecem-se para dar lugar à simples luta pela sobrevivência ao longo de uma penosa viagem rumo à Sibéria onde, condenados por crimes que eles próprios mal conseguem conceber, Lina, a mãe e o irmão, juntamente com muitos outros incluídos nas infames listas, se verão obrigados a trabalhar em condições menos que desumanas... ou a deixar a vida ao frio e à fome. Esta é a história de um primeiro Inverno, de uma luta contra indiferença e crueldade, de um testemunho contra o silêncio dos homens e dos tempos. A história de uma rapariga, mas que poderia ser a de tantos outros...
É impressionante a forma como a crueldade - por actos ou por omissões - se reflecte na história de Lina e dos que a rodeiam. Impressionante particularmente pela forma como a autora constrói esta história (que, sendo ficção, se baseia em testemunhos reais), na voz de uma protagonista que, tendo apenas quinze anos, estabelece, no contraste entre a brutalidade de cada dia e a sua inocência e as certezas da juventude, um percurso devastador.
A escrita é simples e directa, reflexo da personalidade da rapariga que nos narra a história. Para Lina, tudo o que vê é certo e, quer na crueldade, quer nas (poucas) acções generosas com que convive (principalmente da parte dos seus carcereiros), é o sucedido que importa relatar. Não há, portanto, grandes divagações ou elaborações, mas simplesmente os acontecimentos tal como teriam sido e as emoções com todo o impacto do momento. Há, pois, um evidente contraste entre a simplicidade do testemunho e a complexidade da situação e é precisamente este contraste que faz deste livro uma obra tão marcante.
Apesar das aparentes certezas da protagonista, nada neste livro é a preto e branco. Cinzento é o ambiente que os rodeia, cinzento o âmbito das decisões dos que têm esse poder (sendo esta ambiguidade particularmente evidente em Kretzky), cinzento o equilíbrio entre uma esperança ténue e um desespero que ameaça suplantar todas as possibilidades. Nada nem ninguém neste livro é simplesmente aquilo que parece ser e, apesar da aparente simplicidade do relato, há tanto mais reflectido nas pequenas situações, nas atitudes e nas palavras mais simples que, entre bem e mal, esperança e desespero, vida e morte... tudo é uma escala de tons e de possibilidades. Há, portanto, uma conjugação perfeita entre o conteúdo e o título original deste livro - Between Shades of Gray.
Importa, por último, referir o final deste livro. Numa história onde as pequenas linhas de esperança são tudo o que há para suster o apego à vida, fica a impressão de algumas perguntas sem resposta, numa conclusão um pouco brusca. Conclusão que, apesar de tudo, faz sentido, uma vez que é o tal "primeiro Inverno", com todas as suas provações, o ponto fulcral deste livro. Seria interessante, ainda assim, depois de tantas demonstrações de amor e lealdade em tempos de desespero, ver quanta da esperança era acertada e quantas promessas foram cumpridas.
Fica, pois, desta leitura, o impacto de uma obra que reflecte a crueldade humana num dos seus pontos máximos, mas também o afecto e a solidariedade quando um pequeno gesto basta para mudar tudo. De leitura compulsiva, emocionalmente devastador e com um poderoso contraste entre inocência e indiferença, um livro impressionante.

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