Antes de morrer, o pai de Manrique de Sandoval deixou como última vontade que este viajasse até Roma para entregar a um irmão cuja existência desconhecia os três mil cruzados que lhe cabiam como herança. Ainda aturdido pela revelação, Manrique vê-se obrigado a partir, pois tudo indica que uma testemunha terá visto o homem que lhe morreu nos braços e cujo assassino seria, talvez, o seu mais próximo amigo. Partem, então, para a cidade eterna e aí, quase sem querer, conhecem um mundo completamente diferente daquele que imaginavam. Um cenário de luxúria, mas também de conspiração, de profecias e de misticismo, num ambiente em constante mudança e em que a queda talvez esteja iminente...
Escrito de forma cativante, mas com uma forte componente descritiva, este é um livro em que, mais que a história dos seus protagonistas (se tal se lhes pode chamar), é a mudança que envolve a cidade o que se destaca. Há muito de interessante na história de Manrique e este protagoniza alguns dos momentos mais marcantes da narrativa, mas o seu papel acaba, por vezes, por se desvanecer na sombra de uma história maior, que é a da cidade à espera de ser saqueada, com todas as intrigas e traições associadas às mudanças de poder. Tanto de Manrique e Gonzalo, como das mulheres do lupanar ou do estranho profeta que viu o número do fim de Roma ser-lhe marcado na fronte, vivem os rumos desta história, mas não são as suas histórias particulares o mais relevante. Interessantes, sim, e dando forma aos mais cativantes momentos da história, mas apenas como partes pessoais da história da Roma luxuosa e, depois, da Roma destruída.
Com longas descrições e abundantes pormenores históricos, dificilmente se poderá considerar este livro como uma leitura fácil e, muito menos, compulsiva. Há, ainda assim, uma envolvência na fluidez com que a autora apresenta os pormenores, quer a nível de cenário, quer a nível de figuras e acontecimentos históricos, o que faz com que, apesar do ritmo pausado da narrativa, esta nunca deixe de ser interessante e de despertar curiosidade.
Ao colocar a cidade acima dos homens, fica, por vezes, a impressão de alguns elementos deixados por explicar a respeito da história individual das personagens. Ainda assim, essas perguntas sem resposta acabam por fazer sentido, primeiro no que toca à partida de Manrique, deixando para trás qualquer futuro na sua cidade (e, em consequência, qualquer conhecimento sobre o que lá deixou), e depois no caos resultante do saque de Roma, fazendo das personagens pouco mais que figuras discretas num evento muito maior.
De ritmo pausado, mas com uma escrita envolvente e alguns momentos de grande intensidade a surgir ao longo da narrativa, este é um livro que marca principalmente pela visão precisa e completa de Roma no seu máximo de destruição, mas em que as personagens vêm dar um interessante, ainda que discreto, toque de proximidade a uma história mais centrada no global. Uma boa leitura, em suma.
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