Depois dos difíceis anos da Primeira Guerra Mundial, a recuperação parece estar finalmente a avançar. Mas uma súbita alteração no equilíbrio de poderes - imposta, em parte, com recurso à violência, para lá da defesa, por parte de alguns, do sacrifício de liberdades em prol do sucesso económico - leva à ascensão do fascismo, com maior evidência na Alemanha nazi, mas também, de forma mais ou menos eficiente, noutros países. É neste contexto que voltamos a encontrar as personagens de A Queda dos Gigantes, bem como os seus descendentes. E é esta segunda geração, ainda que sem descartar por completo os mais velhos, que terá um papel determinante nas novas e terríveis mudanças que o mundo conhecido está prestes a sofrer.
Um dos aspectos mais impressionantes deste livro - como também do primeiro volume da trilogia - é a capacidade de equilibrar a história individual das suas personagens com um bom retrato do contexto histórico em que vivem. É certo que nem a todos os grandes acontecimentos é dado o mesmo destaque, já que, sendo essencialmente a história pessoal das famílias que o protagonizam, a narrativa segue mais a sua experiência pessoal, dando mais ênfase aos acontecimentos em que estas se vêem directamente envolvidas. Não há, portanto, uma visão detalhada do sucedido, a nível global, no período que decorre a história, mas antes um retrato mais geral do contexto, tendo em vista todos os acontecimentos relevantes, mas desenvolvidos na perspectiva que as diferentes personagens têm deles. Menos detalhados, portanto, mas apresentados, talvez, de forma mais intensa, já que o seu impacto se reflecte na história pessoal dos protagonistas.
Isto não significa que não haja contextualização. Muito pelo contrário. Há, inclusive, alguns momentos mais descritivos, principalmente no que toca à explicação de algumas estratégias tomadas em conta em contexto de guerra. Ainda assim, e se o contexto global é muito importante, o que este livro tem de mais marcante está na história e na evolução das personagens. E também sobre estas há muito que dizer. Ainda que o enredo se centre nos elementos da segunda geração, muitas das personagens de A Queda dos Gigantes continuam presentes. E a história que vivem, juntamente com os seus filhos e conhecidos, reflecte de forma impressionante as mudanças operadas sobre o mundo, bem como as suas consequências trágicas. Também aí se encontra um dos grandes pontos fortes do desenvolvimento desta história: a percepção de que ninguém está seguro. Mesmo para personagens cuja história parecia encerrada no livro anterior há novos desenvolvimentos e novas perdas a acontecer. O mesmo sucede para os seus descendentes. O contexto da época é duro e tenebroso e não é expectável que tudo termine em "felizes para sempre". Tudo é possível para estas personagens e esse conhecimento faz com que os grandes momentos - os bons e os maus - tenham um impacto emocional bem mais forte.
Oriundos de diferentes países e com diferentes formas de ver a vida, os protagonistas desta história representam, também, ideologias diferentes, permitindo, nos diferentes ambientes em que vivem, ver as semelhanças e diferentes entre essas ideologias - bem como entre os regimes em que vivem. Mas também as suas personalidades são diversas. Há, entre eles, quem seja inerentemente bom ou basicamente mau. Mas há também personalidades intermédias, mentalidades que evoluem com a percepção da vida e as mudanças sofridas devido à guerra. As personagens crescem ao longo do enredo e poder acompanhar essa evolução é parte do que torna esta história cativante. História que, tal como o primeiro livro, não se conclui com finais definitivos para as suas personagens, deixando muitas possibilidades em aberto, até porque os últimos capítulos deixam já uma ideia bastante clara de parte do contexto em que se viverá a história do terceiro.
Cativante, com um conjunto de personagens fortes e um bom equilíbrio entre o contexto histórico global e as histórias individuais dos protagonistas, O Inverno do Mundo continua, da melhor forma, a história iniciada em A Queda dos Gigantes. A história de um século, mas, essencialmente, a história de pessoas que, apesar de fictícias, poderiam muito bem ser reais. Muito bom.
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