Para Maria Teresa de Áustria, todas as suas filhas são "sacrifícios políticos". Mas cabe à mais jovem, Maria Antónia, realizar o mais importante dos seus planos. A pequena Toinette está destinada ao delfim de França, fortalecendo assim a aliança entre os dois países. Mas a educação da criança foi deficiente e, agora que os planos estão bem encaminhados, é preciso compensar essas falhas. Transmitir-lhe o conhecimento que ela nunca fixou, moldar-lhe o aspecto e os hábitos ao costume de Versalhes e fazer de Maria Antónia uma jovem mulher capaz de conquistar o corte francesa. Tudo está preparado e tudo depende dela. Mas talvez Toinette seja demasiado inocente e influenciável para a teia de intrigas que se esconde nos excessivos rituais da Versalhes de Luís XV.
Narrado na primeira pessoa pela voz de Maria Antónia, este primeiro livro do que deverá ser uma trilogia, cria para a figura de Maria Antonieta uma nova perspectiva. Primeiro, pela narração de um período de sua vida antes do seu reinado e, até, da sua chegada a França, mas, principalmente, pelo retrato do mundo que a rodeia que, visto pelos seus olhos e percepcionado de forma diferente à medida que vai crescendo, permite acompanhar não só as mudanças no ambiente que rodeia a protagonista, mas também a sua percepção do mundo. Isto torna mais fácil criar empatia para com Maria Antónia, já que, enquanto narradora, os seus sentimentos surgem, naturalmente, ao longo do texto, e realça a sua posição solitária, primeiro perante a família (cujos interesses falam mais alto) e depois na corte francesa (onde é uma estranha facilmente manipulável).
Há, também, limitações para esta forma de narrar os acontecimentos. Se os sentimentos e a caracterização da protagonista surgem de forma bastante completa e associados a todo o tipo de circunstâncias, menos é dado a saber sobre as outras personagens, uma vez que as suas características surgem segundo a perspectiva que Maria Antónia tem delas. Além disso, há um contexto político bastante rico em intrigas e interesses contraditórios - ou não fosse Versalhes o cenário de grande parte do enredo - , mas estes elementos acabam por ser explorados de forma parcial, já que também eles surgem na medida do conhecimento da protagonista ou através das poucas cartas intercaladas na narração de Antónia. Ficam, assim, algumas questões em aberto, ainda que o desconhecimento dessas questões sirva também para realçar a posição da protagonista enquanto jovem manipulável no centro de uma teia de interesses.
Enquanto primeiro volume, ficam também questões sem resposta no que diz respeito ao futuro de Antónia, até porque a conclusão surge mais como um início de grandes mudanças que propriamente como um fim. Muitos grandes momentos estão ainda por explorar e, por isso, fica muita curiosidade em saber de que forma serão desenvolvidas as muitas possibilidades que surgem agora no caminho da protagonista. Há, também, várias mudanças que se insinuam no âmbito pessoal, o que faz com que este livro surja, em muitos aspectos, como o início de um mistério ainda com muito para revelar.
Trata-se, pois, de uma leitura envolvente e de um livro que, entre as complexidades da intriga política e a inocência de uma jovem longe de tudo o que conheceu, abre muitas possibilidades para a abordagem ao futuro mais conhecido da sua protagonista. Um bom início, portanto, e uma boa leitura.
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