terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Necrópole (Santiago Gamboa)

Depois de uma longa doença que o afastou da escrita e do mundo, um escritor vê a sua oportunidade de regressar no convite que lhe é feito para participar num congresso em Jerusalém. Tudo indica que nem o tema nem os outros convidados tenham muito a ver com o seu trabalho, mas a oportunidade é boa demais para desperdiçar. O convite é aceite. E é assim que, pouco tempo depois, o escritor se vê rodeado de estranhas personalidades com ainda mais estranhas histórias, num evento que decorre num hotel de luxo, ao mesmo tempo que as bombas semeiam destruição no exterior. É assim, também, que o protagonista se cruza com o caminho de regresso para a sua vida, mesmo enquanto ouve as tragédias pessoais dos outros participantes... e vê um deles mergulhar numa morte que o confunde.
Grande parte do fascínio deste livro está na capacidade do autor de dar vozes diferentes às suas personagens, sem nunca perder de vista a sua própria voz pessoal. O enredo decorre num congresso, e é esse cenário que permite que várias personagens contem a sua própria história na primeira pessoa, ao longo da narrativa. História que manifesta também os traços particulares da linguagem de cada uma dessas personagens, reforçando a sua identidade individual, mas em que pequenas semelhanças definem, também, o elo que as une. Além disso, o percurso das personagens não se define apenas pela história que eles próprios narram. A visão que o escritor, aparentemente elemento estranho, tem deles, realça também as suas características mais peculiares, primeiro na sua percepção enquanto observador interessado, depois, à medida que as revelações passam do passado para o ambiente do congresso, enquanto participante activo nos acontecimentos.
Há vários acontecimentos marcantes da história das personagens, o que, aliado à fluidez da escrita e ao toque de mistério introduzido pelo caso da Maturana, contribui para que a leitura nunca perca a envolvência, mesmo nos seus momentos mais divagativos. As diferentes vozes narrativas, correspondentes às diferentes personagens, leva a que algumas das situações sejam narradas com maior intensidade, enquanto que outras (com particular destaque para a narração de Supervieille) se desenvolvem de forma mais pausada e distante. Ainda assim, há, em todas elas, algo de interessante a acontecer. A esta envolvência associa-se ainda a complexidade resultante da ligação entre as várias histórias, bem como a vastidão de material para reflexão, quer sobre questões religiosas (com a história do Ministério), guerras e conspirações humanas (a questão das FARC e a própria situação em torno do congresso) ou a simples resistência individual - e capacidade de superação - ante as amarguras da vida (apresentada em toda a sua complexidade no percurso de Sabina). 
De tudo isto resulta uma obra complexa, riquíssima na construção das personagens e do contexto de onde surgiram. Uma história envolvente, muitíssimo bem escrita e com um entrecruzar de histórias e personalidades que, em toda a sua estranha complexidade, nunca deixam de exercer um estranho fascínio. Muito, muito bom.

1 comentário:

  1. Grande livro, sem dúvida! Temos de pôr de lado todo e qualquer preconceito e fazer tábua rasa de tudo o que sabemos para mergulhar neste livro brutal.
    "Necrópole" foi para mim um dos melhores livros publicados em 2012.
    Jorge Navarro

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