domingo, 3 de fevereiro de 2013

Passageiro do Fim do Dia (Rubens Figueiredo)

Terminada mais uma semana de trabalho, Pedro apanha um autocarro para a zona onde mora a namorada, com a qual passará o fim-de-semana. Mas a viagem afigura-se longa, principalmente a partir do momento em que se fala de tumultos na área de destino. Fechado no autocarro cheio, e, contudo, sozinho com a companhia do rádio a pilhas e de um livro que lhe traz memórias do passado, Pedro percorre a longa viagem, ao mesmo tempo que, em pensamento, recorda histórias de vidas que conhece. Histórias de pobreza, de opressão e de desânimo.
História da viagem de Pedro e, ao mesmo tempo, de todas as histórias que lhe surgem no pensamento durante esta viagem, o enredo deste livro é tudo menos linear. Não só as histórias de diferentes personagens se cruzam sem que haja uma relação efectiva entre elas, como estas histórias parecem surgir ao ritmo a que surgiriam na memória do protagonista. Não há uma linha temporal definida, tal como não há uma série sequencial de acontecimentos. As histórias surgem, simplesmente, ao ritmo da memória, sejam elas vividas por Pedro ou contadas por alguém com quem ele se cruzou.
Tendo isto em conta, é fácil prever que a leitura não será leve nem fácil. É, na verdade, um livro bastante exigente em termos de atenção, de modo a que seja possível assimilar as diferentes histórias, onde começam e terminam e de que forma se cruzam na vida de Pedro e na visão geral daquilo que ele observa. E é também aqui que se encontra o mais interessante deste livro. É que, apesar da ocasional confusão resultante do cruzamento de todas estas histórias, essa conjugação é também o que permite uma visão completa das questões mais relevantes do livro. A pobreza e a falta de condições - por vezes, perpetuadas pelo próprio sistema - e a impressão de indignidade que, por vezes, se sucede às dificuldades estão muito bem representadas nas memórias de Pedro, proporcionando, por isso, muito e bom material para reflexão.
Também a escrita é bastante cativante, sem grandes elaborações, apesar do tom algo divagativo com que os acontecimentos são apresentados - mas, afinal, é das memórias do protagonista que trata, e as memórias nem sempre surgem de forma linear. E há, ainda dessas memórias, um outro aspecto interessante: as referências ao trabalho de Darwin - e ao tal livro associado às memórias pessoais - acabam por insinuar uma perspectiva curiosa para os acontecimentos narrados, criando um interessante (ainda que discreto) cruzamento entre a teoria da sobrevivência dos mais fortes (da selecção natural) e os casos narrados, que são, afinal, das tentativas de subsistência dos mais fracos.
Se nem os acontecimentos nem as memórias são lineares, também o final é ambíguo. Não há finais definitivos nem para o presente, nem para as histórias recordadas. Este é, na verdade, o final mais adequado, pois, além de deixar em aberto muitas possibilidades para o que terá acontecido depois do que é apresentado, acaba por recordar o facto de que a vida não acaba no fim da história.
Complexo e, por vezes, um pouco confuso, este é, pois, um livro bastante exigente, mas também muito compensador, principalmente pelo retrato global que traça para o problema de viver na desigualdade e na pobreza. Não é uma leitura fácil, portanto, e exige o seu tempo para assimilar todas as questões. Mas não deixa por isso de ser muito interessante.

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