sexta-feira, 29 de março de 2013

As Lojas de Canela (Bruno Schulz)

História de um homem em conflito com a vida, observador de uma família onde, porque tudo é estranho, tudo é possível, e em que a resignação anda de mãos dadas com uma quase loucura, As Lojas de Canela é, em parte romance, em parte memória, num percurso que, entre a contemplação e a fantasia, apresenta um conjunto de episódios tão peculiar como as figuras que os protagonizam. A história do pai, de Adela, de um narrador que observa e que, por vezes, ganha protagonismo nas recordações que evoca, todas elas se confundem, na conjugação de episódios que, sendo cada um deles uma história por si só, dão forma, na sua união, a um todo mais vasto. De todas estas histórias unidas, situadas num tempo vago como a recordação, resulta algo entre o romance e a memória - e é, no fundo, assim este livro. E, dele, importa dizer, antes de mais, que nunca será uma leitura fácil.
Se há algo que sobressai neste livro, e é algo que se evidencia desde os primeiros parágrafos, é a beleza da escrita. Toda a narrativa é construída entre a divagação e a descrição, com longas exposições sobre os traços dos cenários - reais ou imaginados - e das figuras que os povoam a impor à leitura um ritmo pausado, para o qual contribui também alguma tendência para o devaneio, em algumas situações. Nunca será, por isso, nem uma leitura leve, nem compulsiva. Mas a esta elaboração de ambientes e de pensamentos associa-se uma forma de expressão que, poética e harmoniosa, se adapta da melhor forma possível, quer aos momentos mais introspectivos, quer à descrição. São várias as frases que ficam na memória e a fluidez da escrita contrasta com a estranheza dos momentos mais peculiares, ao mesmo tempo que a completa com o seu toque de fantasia.
Há também, uma emoção e um estado de espírito que se insinuam ao longo da narrativa, tornando-se mais claros a cada novo episódio. Tanto nos episódios do pai, como nos do próprio narrador, a solidão é uma figura presente, construída com imagens de nostalgia e de uma resignação que é tão clara nas ideias mais racionais como nos sinais de loucura e nos momentos em que tudo se torna surreal. Esta solidão, sombria, mas descrita com palavras belas, é, no fundo, o centro de tudo, no texto, e é ela que fica na memória, tanto pela forma muito própria como é desenvolvida, como pelo que tem de universal. A presença e o medo do fracasso, com o consequente abandono de toda a estranheza, podem surgir de uma forma única, mas contêm em si algo de familiar, de recorrente, e também essa familiaridade reforça o impacto final do livro.
Este é, por isso, um livro que, por vezes, se torna difícil de seguir. As longas divagações, as ideias inesperadas e o complexo equilíbrio entre o quotidiano e a fantasia exigem atenção constante a todas as suas complexidades. Mas há também, para lá da inevitável estranheza, algo de fascínio e de magia, e estes surgem tanto da beleza das palavras como dos traços de uma forma de ser, perante a vida, que, ainda que apenas por momentos, poderia cruzar o caminho de qualquer um. E só isso bastaria para que este livro valesse a pena.

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