sábado, 30 de novembro de 2013

O Muro (Afonso Valente Batista)

Partiram para a guerra sem saber exactamente porquê, instados à acção por grandiosos discursos de orgulho e de luta pela preservação do império. Deixaram lá o sangue e os princípios da loucura, à qual resistiram também sem saber porquê, excepto que a construção de um muro - daquele muro que agora voltam a procurar - foi parte do que os salvou. Eram muitos naquele caminho, muitos os que foram ao encontro da guerra e que depois a trouxeram consigo. Restam as marcas e as recordações, numa memória em que o real e o imaginado se confundem. E o muro que talvez prove - se ainda lá estiver - que tudo aquilo aconteceu mesmo.
Mais que uma história da guerra, esta é uma história dos homens - ou de alguns entre muitos - que viveram a guerra. Isso é o que primeiro surpreende neste livro, em que, não havendo um protagonista que se destaque, mas antes um núcleo de indivíduos, o registo é, ainda assim, imensamente pessoal. Introspectivo, traçado em contornos de inevitável tristeza, este livro entra na alma das suas personagens, expondo-as ao leitor com uma clareza impressionante. Disto resulta, em primeiro lugar, uma forte empatia, mas também a necessidade de questionar o porquê do que é contado. Um pouco como aquilo que as próprias personagens fazem.
Associado, de certa forma, a este registo introspectivo, está o outro grande ponto forte deste livro: a escrita. Elaborada, bastante poética, mas muito eficaz na transmissão das imagens mais fortes, há na forma de contar esta história - ou histórias - uma fluidez cativante. Não compulsiva, até porque, a esta escrita bastante complexa junta-se uma construção da narrativa também complexa, com saltos temporais e muitas perspectivas a considerar. Mas cativante, porque se adapta perfeitamente ao que pretende contar, tanto a acontecimentos, como a sentimentos, como ainda a reflexões.
Ficam, em certos aspectos, algumas perguntas sem resposta. Ainda assim, esta relativa ambiguidade acaba por funcionar bem, em grande parte porque reflecte os conhecimentos que as próprias personagens têm ou não. Desta forma, fica também a impressão de uma vida depois da existência vivida naquele lugar. E a ideia de uma história que, apesar dos elementos deixados por contar, encontra a conclusão mais adequada.
Introspectivo e pautado pela melancolia, este é, pois, um livro que, longe dos grandes acontecimentos e de quaisquer possíveis feitos heróicos, marca principalmente pela forma como transmite a alma e a história das suas personagens. Cativante, ainda que de ritmo pausado, emocionalmente marcante e com muitas boas questões a ponderar, uma boa leitura.

2 comentários:

  1. Obrigado Carla pela sua excelente crítica e comentários. São motivos de satisfação para continuar a escrever. Espero que tenha lido "A Indiferença é morrer com a solidão aos pés da cama" que publiquei na Glaciar.

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  2. Olá! Obrigada pela visita.

    Ainda não tive oportunidade de ler, mas está na minha lista de aquisições futuras.

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