Aos quarenta anos, Samuel continua a ser incapaz de manter um relacionamento estável. Sem companheira nem filhos, preso a um trabalho que não lhe desperta interesse, convence-se, ainda assim, de que está tudo bem na sua vida. Até ao dia em que um desconhecido lhe liga a informar que Clara morreu. Quem é essa Clara, e porque razão lhe ligaram, ele não sabe. Mas, apesar disso, sente-se atraído a uma busca por respostas. E, ao descobrir que lhe foi atribuído o papel do suposto amante da falecida, começa a construir em pensamento a história do que ambos poderiam ter vivido. Em pensamento, mas não apenas com a imaginação. Samuel procura, de facto, conhecer Clara. E cada descoberta sobre a vida e a personalidade dessa mulher são também uma revelação sobre o que o define. E um futuro, talvez.
Narrado na primeira pessoa e num registo essencialmente introspectivo, este é um livro que cativa, em primeiro lugar, pela forma como funde a realidade e a imaginação do narrador e protagonista. A vida inventada de Samuel, ou de Clara na relação com Samuel, é algo que surge gradualmente, mas que cedo se torna um elemento fundamental no desenvolvimento da narrativa. O resultado é uma teia de mentiras e de versões alternativas que acabam por se confundir numa mesma verdade. Tudo é ambíguo, há partes provavelmente falsas, mas a impressão que passa, a partir da voz de Samuel, é que tudo se torna, de certa forma real. História e memória confundem-se na mente do protagonista, e este equilíbrio de vidas alternativas acaba por resultar numa história que é, em simultâneo, estranha e cativante.
Desta fusão de histórias possíveis, surgem momentos inesperados e situações que, apesar de improváveis, acabam por se enquadrar na realidade - e na fantasia - do protagonista. Assim, a forma como, em busca das suas respostas, Samuel entra nas vidas dos que realmente conheceram Clara, cria novas relações, das quais resultam alguns momentos surpreendentemente intensos. Sendo Samuel o centro da história, essas outras figuras - ou quase todas - acabam por ter um papel secundário, pelo que também os seus finais acabam por ser algo ambíguos (como o do próprio Samuel, aliás). Ainda assim, acrescentam algo de interessante à história e transformam as mentiras e verdades do protagonista em escolhas que têm algum impacto. Também isso contribui para tornar a história cativante.
Importa ainda referir que o peculiar equilíbrio de ideias e pensamentos do protagonista é transmitido também pela forma como a sua história é escrita, com diálogos simples e uma análise interior também não muito complexa, mas pontualmente marcada por frases inesperadamente marcantes e por reflexões de considerável complexidade. Esta forma de escrever acaba por colocar em evidência o contraste essencial de Samuel: a sua vida simples contra a complexidade de sentimentos e palavras.
Conjugando mentiras e realidades num equilíbrio elaborado, mas estranhamente cativante, A Invenção do Amor conta, de forma envolvente e num registo pessoal, mas invulgarmente complexo, a história de um amor inexistente. Uma história que, entre a estranheza e o fascínio, acaba por se entranhar na memória. E que vale muito a pena ler.
Sem comentários:
Enviar um comentário