Chaves. Mágicas ou banais, capazes de abrir portas para outros mundos, ou simplesmente para a memória. Chaves de todas as formas e de todos os tipos são o tema dos contos que constituem esta antologia. São também a linha de união num conjunto que, diverso em temas, em ambientes e em formas de escrita, consegue surpreender e cativar. E, no caso de alguns dos contos, deixar algo de marcante na memória. Mas vamos por partes.
O Poder, de Adriana Teixeira Gomes, traça uma breve reflexão sobre como o controlo das chaves de um lugar representa uma forma de poder. Com uma ideia interessante e escrito de forma agradável, peca por ser demasiado curto. Segue-se O Silêncio do Invísivel, de Albertina Fernandes, uma história de perda e das recordações de um tempo diferente, contada também de forma breve, mas emotiva e representando bem o que muda e o que permanece nas mentalidades ao longo do tempo.
Metamorfose, de Alexandre Acampora, divaga sobre o significado de um insecto pousado sobre um livro. Com uma escrita agradável e um interessante conjunto de ideias, perde-se, por vezes, numa linha de pensamento demasiado confusa, o que deixa sentimentos ambíguos. Já A Última Carta de Amor, de Alexandre Sandrieu, conta a história de um amor através dos tempos e, apesar de perder um pouco pela brevidade, que cria uma sensação de distância relativamente a momentos fortes, que poderiam ter sido mais desenvolvidos, cativa, ainda assim, pela escrita e pela história. Quanto a Era Uma Vez Uma Chave..., de Alice Mano-Carbonnier, traz-nos uma breve história em forma de poema, simples, mas cativante, e com uma bela reflexão sobre a interacção entre nós e os outros.
O Dândi Imortal, de André Lamas Leite, fala de uma busca invulgar e das palavras enquanto caminho para a imortalidade. Cativante, com uma aura de mistério particularmente bem conseguida, sobressai pela caracterização do protagonista e pelo final intenso. Segue-se outra história contada em verso, Chave Perdida, de António MR Martins. Sobre ambição e amor, é também breve e simples, mas agradável de ler.
Sem dúvida o melhor conto do livro, Vai e Volta, de Beatriz Pacheco Pereira, fala de um conhecimento travado num jardim, com um toque de magia. Envolvente, com um estilo de escrita invulgar, de fluidez quase poética, marca também pelo equilíbrio perfeito entre introspecção solitária e ternura familiar. Segue-se, depois, Caminhos e Desencontros, de Bruno Resende Ramos, história de um homem ambicioso e de como, no auge do sucesso, descobre o que realmente importa na vida. Um pouco confuso, mas de leitura agradável e com uma mensagem positiva. Também interessante e cativante, A Avozinha Eva, de Cristina Correia, fala de uma história e de um presente, num conto agradável e enternecedor, mas em que parece faltar qualquer coisa.
Mafalda de Loutulim, de Cristina Malhão-Pereira, narra uma viagem à Índia e a descoberta do amor pelo caminho. Envolvente e interessante, cria, pela forma algo apressada como alguns acontecimentos são narrados, uma impressão de distância, mas que se atenua no final. Por sua vez, É de Repente que as Coisas Grandes Acontecem, de Cristina Silveira de Carvalho, fala de um encontro acidental e de uma oportunidade de aventura, numa história intrigante e com uma boa ideia por base, mas que deixa demasiado em aberto. E em Entre o Vento e o Mar, de Dalila Moura Baião, um molho de chaves e os mistérios da eternidade servem de base a um conto poético, com uma escrita harmoniosa e um ambiente de magia e misticismo. Belo, em suma, ainda que algo ambíguo.
Também em forma de poema, A Bailarina e o Soldado, de Egídio Trambaiolli Neto, mostra dois mundos diferentes unidos no amor e na morte. Simples, mas emotivo, um texto comovente. As Mãos Certas para Abrir a Porta, de Elvira Cristina Silva, mostra uma chave como entrada para um lar, também num conto simples, tanto na história como na escrita, mas de uma ternura cativante. E Sete Chaves, no Lugar do Teu Coração, de Filipa Vera Jardim, fala do que se esconde detrás das portas do coração. Com um ambiente onírico e uma escrita poética, a autora cria uma história que, entre a estranheza e o fascínio, se torna quase familiar.
Uma vida de amor (ou desamor) define Cem Chaves para Abrir o Coração, de Helena Osório, conto breve e cativante quanto baste, mas que podia ter sido mais desenvolvido. E de amor e de esperança trata também A Chave da Esperança, de Isabel Maria Nascimento Rodrigues, num conto em que sobressai a inocência e que, apesar de uma impressão de distância, não deixa de ser uma leitura agradável.
Memórias de um encontro passado fazem a história de A Chave do Cofre de Lia, de Joaquim Sarmento, um conto pessoal e introspectivo, interessante, mas um pouco vago. Segue-se Uma Porta Aberta, de José Alberto Sá, história de uma porta lendária e de uma chave igualmente indefinida. Simples, mas interessante e com uma mensagem positiva, uma boa história.
Carta para Ofélia, de José Carlos Pereira, leva-nos numa viagem alternativa através da história de amor de Ofélia e Fernando Pessoa, num conto estranho, mas intrigante, com uma boa medida de considerações filosóficas e, por isso, de ritmo pausado, mas interessante. Segue-se outro breve poema, As Chaves, de Joubert Amaral, um texto peculiar sobre a importância das chaves. E, depois, A Chave do Ser, de Libânia Madureira, com a criação e o mundo espelhados sob a forma de um poema de cativante fluidez e com alguns versos memoráveis.
Chave Bendita, de Lucas Figueiredo Silveira, narra uma vingança irreflectida e a destruição de uma relação, num conto breve e simples, mas com um tema relevante, abordado de uma boa perspectiva. Já O Livro Mágico, de Luís Ferreira, mostra uma história enquanto passagem para outro mundo. Cativante, com um toque de inocência, reflecte bem a magia de criar com palavras.
Segue-se A Chave do Passado, de Luisa Garbazza, onde se narra o regresso ao lar de uma infância feliz. Introspectivo, de ritmo pausado, mas envolvente, e com uma mensagem bonita, um bom conto. A este, segue-se Retalhos de Mim, de Luz Curvo Semedo Dias, história de uma relação que termina e da continuidade da vida, através de um mistério esclarecido no fim. Cativante e misterioso, com um final surpreendente, deixa, ainda assim, a ideia de haver potencial para algo muito maior.
De uma busca difícil de pistas inesperadas, trata Demorou a Chegar, de Maria do Céu Neves, um conto intrigante e escrito de forma agradável, mas que perde pela ambiguidade que o torna um pouco confuso. Já Aquela Chave, de Maria Isabel de Mendonça Soares, história de uma profissão perdida e de um regresso tardio, marca pela brevidade que reforça o que o conto tem de enternecedor. Vidas Desencontradas, de Maria Isabel Loureiro, conta a história de um amor perdido, de forma breve, mas com uma simplicidade marcante, tão simples nas palavras como memorável nas emoções.
A Matança do Porco Cilíndrico, de Maria João Gonçalves, apresenta cinco amigos numa estranha viagem. Peculiar na forma como é contado e cativante na sua estranheza, também este conto perde por ser demasiado confuso. Por sua vez, A Auxiliar, de Maria João Saraiva de Menezes, introduz uma estranha mulher, capaz também de estranha crueldade, num conto opressivo e perturbador, intrigante, mas sombrio, e com uma evolução surpreendente, apesar do que deixa por explicar. E também cativante, apesar da brevidade, é Carta ao Tonico, de Maria Mamede, inocente e agradável história de uma memória de infância.
Sonho de um Caipira, de Nilce Coutinho Guerra, narra a vida de uma família em tempos difíceis, num conto em que sobressai o tema relevante e a mensagem forte, apesar do ritmo pausado e do tom algo distante. A Chave da Paciência Abre as Portas da Glória, de Paula Teixeira de Queiroz, fala da história de um jardim e de como a paciência e a devoção despertam a vida. Também este é um conto breve e simples, mas com uma boa mensagem.
Uma chave e o lugar onde pertence são os protagonistas de Fechar a Porta à Chave, de Paulo Jorge Almeida. Cativante e com um toque de magia, esta é também uma história agradável de ler. O mesmo se aplica a A Chave da Existência, de Pedro Jardim, onde a vida, um cofre e três desejos dão forma a um enredo peculiar e intrigante, ainda que um pouco confuso, e com uma mensagem muito positiva.
O Número Perfeito, de Rosa Alice Branco, conta a história de uma viagem e de um encontro. Escrita de forma envolvente e com uma ideia interessante, deixa, ainda assim, demasiado em aberto.E também de uma viagem nasce A Chave sem Relógio, de Sofia Ribeiro Fernandes, um conto curto, mas cativante e bem escrito, onde se narra uma breve viagem a um mundo diferente. Segue-se, depois,Viragem, de Teresa Almeida, é ainda outra história em verso, breve e muito simples, mas agradável de ler.
A história que se segue reúne a clássica conjugação de traição e morte. Uma Chave e Três Vidas, de Thaís Amado, parte de um cenário facilmente reconhecível, e narra-o de forma simples e cativante. Por último, A Chave do Coração, de Wilson de Carvalho Costa, fala da busca da mulher amada. Pausado e com muitas questões deixadas em aberto, trata-se, ainda assim, de um conto envolvente e emotivo quanto baste.
O que fica então, terminada a leitura desta antologia, é a ideia de um conjunto de histórias cativantes, algumas delas especialmente memoráveis, enquanto outras nem tanto, mas todas agradáveis de ler e com algo de interessante para descobrir. O resultado global é, claro, uma boa leitura.
Belíssimo estudo sobre todos os contos. Um trabalho apreciável, por uma crítica de grande valor.
ResponderEliminarA equipa de "A Magia das Chaves" agradece a gentileza.
Gostei demais.
ResponderEliminarÉ muito bom saber dos nossos escritos aos olhos de outras pessoas, principalmente aos olhos de quem entende "da coisa".
Muito agradecida.
Brasília, 4-11-2016 - Achei bem interessante esse estudo de Carla Ribeiro sobre "A Magia das Chaves", editado em Lisboa por iniciativa da escritora Maria Isabel Loureiro. Parabéns a Carla, a Maria Isabel, a todos que participaram desse belo projeto e, de maneira especia, às escritoras de minha terra - Bom Despacho, Minas Gerais - pela sua participação nesse interessante projeto internacional. Refiro-me a Nilce Coutinho Guerra, com "Sonho do Caipira", e a Luisa Garbazza e seu "A Chave do Passado", textos que enriquecem e valorizam ainda mais literatura florescente da cidade e da região de Bom Despacho, interior do Brasil.
ResponderEliminarObrigada, pelo comentário sobre a chave da esperança. Bem haja.
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