A época dos furacões está a chegar e sobram apenas poucos dias para terminar os preparativos. Pelo menos, é esse o único pensamento do pai de Esch. Para ela e para os irmãos, contudo, o mundo está feito de outras preocupações, que vão desde os planos para fazer dinheiro com uma ninhada de cachorros a um estágio longamente desejado, e sem esquecer a descoberta de um amor de duras consequências. Pouco mais que crianças, sem mãe e com um pai perdido nos seus próprios planos, Esch, Randall, Skeetah e Júnior vivem no limiar dos seus sonhos e ambições. Mas é do que querem e do que são uns para os outros que lhes virão as forças para enfrentar a mais terrível tempestade do seu tempo.
Retrato de uma família disfuncional e de um modo de vida, que apesar de retratado em poucos dias, tem bastante de perturbador, este é um livro que, apesar de uma escrita relativamente acessível, dificilmente será uma leitura fácil. Não por causa das palavras, que a autora molda com fluidez e laivos de poesia para dar forma à história que tem para contar, mas precisamente por essa mesma história. E dessa, entre as circunstâncias difíceis da história pessoal dos protagonistas e a dura experiência de sobreviver ao Katrina, há muito de sombrio e de perturbador.
Sendo a história narrada pela voz de Esch, são principalmente os seus sentimentos e pontos de vista que passam para o leitor, ainda que haja também muito a ter em conta na vida e na forma de ser dos restantes irmãos. Sendo a única rapariga na família, Esch acaba por ser o elo divergente e, por isso, a que melhor compreende o que tem em redor. Mas, por outro lado, é ainda demasiado jovem para lidar não só com a gravidez, mas também com os problemas que a família lhe coloca nas mãos. Desta posição delicada resulta um conjunto de conflitos interiores e uma forma muito própria de olhar a vida. E, através dela, a autora consegue caracterizar com toda a clareza as disfuncionalidades - mas também os afectos - desta família invulgar.
Apesar de ter como ponto de máxima tensão a chegada do Katrina, esta é uma história que acaba por ser tanto a da vida normal - se normal se lhe pode chamar - dos personagens como a dos preparativos para a chegada do furacão. Na verdade, os grandes momentos da fase final acabam por reforçar o impacto de todas as pequenas coisas que aconteceram antes. Ainda assim, o que estas personagens são enquanto família (e, em menor grau, na relação com os que os rodeiam) acaba por ser tão importante como a experiência da luta pela sobrevivência.
Não é, de forma alguma, uma leitura fácil e também não dá respostas a todas as perguntas que desperta ao longo da narrativa. Ainda assim, com o seu lado sombrio pontuado por laivos de inocência e uma relação familiar em que, apesar de tudo o que tem de disfuncional, sobressai o que realmente interessa, No Coração da Tempestade acaba por ficar na memória como um bom livro, que vale a pena ler. Gostei.
Sem comentários:
Enviar um comentário