Vivem-se tempos difíceis numa Europa em que o caos da guerra parece propagar-se por toda a parte. Lisboa é, por isso, para muitos, o único porto seguro, ou a passagem para um lugar distante das sombras e do perigo. E é na espera pela viagem que os levará de volta aos Estados Unidos que dois casais se conhecem. Julia e Peter Winters conhecem os Freleng devido a um momento desastrado, mas esse é o ponto de partida para uma relação muito próxima. Tão próxima, na verdade, que os segredos de todos abrem caminho a outros segredos, quando Edward Freleng e Peter Winters se vêm envolvidos numa relação amorosa, escondida dos olhos de Julia com a conivência de Iris. Nas poucas semanas até ao embarque, muita coisa mudará na vida dos dois casais. Mas todas as promessas de mudança serão diferentes das esperanças por eles alimentadas.
Narrado na primeira pessoa por um dos protagonistas, este é um livro que tem como principal ponto forte o facto de conjugar o registo pessoal de uma experiência vivida na primeira pessoa (e narrada, de forma muito próxima, pela voz de Peter Winters) com uma boa caracterização do contexto muito particular do lugar e do tempo que servem de ambiente à narrativa. É fácil perceber o ambiente de expectativa que povoa a Lisboa daquele tempo, tomada como ponto de passagem para inúmeros estrangeiros e, também para muitos destes, como máxima esperança de salvação. E, apesar de esta ser uma situação global, que se aplica tanto aos protagonistas (que nem são daqueles que se encontram nas piores circunstâncias) como a algumas personagens secundárias e a muitos, muitos outros que não fazem parte desta história, a linha do enredo nunca se dispersa, equilibrando da melhor forma o que é um contexto de vasto potencial e uma história que é, acima de tudo, a das vidas pessoais dos protagonistas.
Este equilíbrio é, aliás, parte do que torna cativante o ritmo do enredo, surpreendentemente viciante, apesar das complexidades do contexto e da relação progressivamente mais intrincada (e um pouco mais estranha) entre as personagens. Mas outro ponto que contribui em muito para esta quase leveza é a fluidez de uma escrita sem elaborações desnecessárias, mas que parece adequar-se na perfeição à voz do protagonista, realçando a sua perspectiva das coisas, ao mesmo tempo que reforça o impacto dos momentos de mudança, precisamente por serem vistos pelos seus olhos.
Não há respostas para todas as questões que, ao longo da narrativa, vão surgindo. Mas, quer porque as circunstâncias da época justificam certas interrupções de contactos, quer porque o próprio rumo as relações abre caminho a separações ambíguas, os pequenos aspectos que são deixados em aberto acabam por resultar, também, da melhor forma, deixando a impressão de que, depois da espera, e do que dela resultou, a vida de Peter continua - e, como a dele, também a de muitos outros.
Envolvente e surpreendente, Dois Hotéis em Lisboa conjuga, num equilíbrio perfeito, o cenário de uma cidade em tempos conturbados com as perturbações e caminhos das relações dos protagonistas. Tudo numa história magnificamente contada, cheia de momentos marcantes e escrita com uma voz que, do início ao fim, nunca deixa de prender a atenção. Recomendo, portanto.
Sem comentários:
Enviar um comentário