sábado, 14 de fevereiro de 2015

A Segunda Vinda de Cristo à Terra (João Cerqueira)

De regresso a um mundo muito diferente do que viu da última vez, Jesus conhece Madalena, activista ecológica, e dá por si a tomar parte na luta em prol das suas convicções. Mas, seja no combate ao milho transgénico, à construção de um resort numa área protegida ou ao perpetuar de um conflito racial, o idealismo de Madalena está bastante longe da realidade. E, num mundo onde quem ganha são os que se sabem desenrascar, talvez as consequências de lutar pelo que se julga estar certo não sejam as mais agradáveis...
Essencialmente satírico na forma como traça o retrato do cenário e das personagens que o povoam, este é um livro que tem tanto de improvável como de familiar. Improvável devido a um certo exagero, a uma conjugação de circunstâncias peculiares que, por serem bastante vincadas, se tornam, talvez, demasiado específicas. Familiar, porque, por detrás deste premeditado exagero, há uma base muito real que, em ideias e mentalidades, está bastante próxima de um lado não muito agradável da realidade.
Assim, o equilíbrio entre estas duas facetas é uma parte fundamental do que torna esta leitura interessante. Mas, para isso, contribui também o próprio registo. Leve quanto baste, mas acutilante nas verdades que tem para dizer, a escrita adapta-se na perfeição ao conteúdo, realçando o que tem de ser realçado e insinuando o caminho do que deixa à imaginação do leitor. Isto é particularmente interessante, já que, numa história em que Jesus desempenha, acima de tudo, um papel de observador privilegiado, a forma como os acontecimentos ganham forma acaba por ter um maior impacto.
Quanto ao enredo propriamente dito, sobressai também um certo equilíbrio, já que, ainda que cada um dos três episódios principais seja, em grande medida, independente, existe, ainda assim, a impressão de uma jornada em direcção a algo de definitivo. Algo que abre caminho para um final marcante, ainda que algo amargo, e que fica na memória.
Escrito num registo envolvente e com uma história que, de uma forma peculiar - e talvez um pouco exagerada - olha para o mundo no que este tem de mais complicado, trata-se, portanto, de um livro cativante e surpreendente, tanto pelo que tem de caricato como pelo que, nele, apela à reflexão. Uma boa leitura, em suma.

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