Num passatempo com laivos de obsessão, um homem dedica todo o seu tempo livre a completar puzzles por serem esses os únicos momentos em que se sente estável e concentrado. Mas, a uma peça de completar o que é, supostamente, o puzzle mais difícil do mundo, toda essa estabilidade é abalada. Falta uma peça e ele tem a certeza de que não a perdeu. Certo de ter a razão do seu lado, o Homem do Puzzle - como passará a ser conhecido - lança-se na missão de obter a peça que falta, custe o que custar. Mas o que ele não sabe é que o seu caso, o da peça desaparecida, não tardará a deixar de ser apenas seu.
Bastante introspectivo e, ainda assim, intrigante ao ponto de se tornar um vício, este é um livro com muitos pontos fortes. E o primeiro prende-se, desde logo, com o registo em que a história é contada. Ao narrar os acontecimentos em parte pela voz do Homem do Puzzle, mas não só, a autora consegue estabelecer, ao mesmo tempo, uma relação de proximidade relativamente às personagens principais, e uma multiplicidade de perspectivas que se completam. O que, tendo em conta que o mistério da peça envolve mais elementos do que, à primeira vista, seria de esperar, acaba por conferir uma maior profundidade ao enredo.
Também interessante nesta história contada a várias vozes é a forma como a escrita se adequa à voz das diferentes personagens. Claro que é o Homem do Puzzle a figura dominante e, por isso, aquela que se torna mais familiar. Mas é possível reconhecer o Mestre, a secretária do Advogado e até outras personagens de menor destaque, não só pela forma como intervêm na história, mas, nalguns casos, pela voz com que a sua parte é contada.
Tudo isto conduz a um equilíbrio delicado, em que várias linhas convergem no sentido de uma resolução final. Mas, se a caracterização e a forma como esta é feita contribuem em muito para a harmonia final, também o rumo dos acontecimentos é um elemento a destacar. É que, entre a luta do Homem do Puzzle, as memórias e o segredo do Mestre e a sempre misteriosa influência da secretária no que poderá vir ou não a acontecer, há toda uma teia de acontecimentos interessantes e surpreendentes que, além de proporcionarem uma intrigante viagem, culminam num final particularmente marcante.
E de toda esta história, erguida, aparentemente, em torno do simples desaparecimento de uma peça de puzzle, há ainda um conjunto de questões que, de alguma forma, ficam na memória. Questões que vão desde o valor e as consequências do progresso à forma como um caso isolado pode desencadear uma reacção mais vasta, e que, no meio de uma história em que é o mistério um dos factores dominantes, apelam, ainda assim, à ponderação.
Intrigante e surpreendente, eis, portanto, um livro equilibrado, com personagens interessantes e uma história envolvente, em que o mais simples dos acontecimentos acaba por ter consequências imprevistas. Recomendo.
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