domingo, 10 de maio de 2015

A Noiva do Tradutor (João Reis)

A noiva partiu e, subitamente, o mundo transformou-se numa lixeira aos olhos do tradutor. Parece que já nada faz sentido e, ainda assim, é preciso que a vida continue. Em gestos tão inúteis como as conversas bajuladoras com a senhoria avarenta, os contactos com os editores que, em tempos, lhe deram trabalho, e agora só dão problemas, e as deambulações por lugares onde tudo parece podre, o tradutor alimenta apenas uma esperança, a de poder comprar a casa que trará de volta a sua noiva. Mas o mundo é sombrio, tão sombrio como ele o vê. E por mais que procure respostas, mesmo que apenas as mais simples, não sabe se não estará condenado a encontrar apenas um grande nada... E nesse nada a única resposta possível. 
De todas as palavras possíveis para descrever este livro, a primeira que vem ao pensamento é, inevitavelmente, diferente, principalmente se já se conhecerem outros trabalhos do autor. É que, para quem já leu O Falhado ou Os Quatro Pontos Corporais, este livro dificilmente podia ser mais diferente. Mais sério, mais sombrio, mais elaborado... E, contudo, aquela identidade muito particular continua bem presente, na ironia com que o protagonista contempla a sua própria vida e o mundo em que se move, descrita num registo mais subtil, talvez, mas igualmente preciso. 
Também o estilo de escrita é diferente, mais trabalhado e mais divagativo, o que, de certa forma, se adapta na perfeição ao que deve ser a voz do protagonista. E, estranhamente, acaba por ser esta diferença de registos que faz com que também este livro seja uma surpresa, já que, na verdade, há muito em comum entre este tradutor e algumas personagens dos outros livros, mas, excluídas essas semelhanças, tudo é diferente. Tudo é novo. E, por isso mesmo, tudo é fascinante.
Mas falando do tradutor e da sua história. Há mais no caminho deste jovem tradutor do que simplesmente um percurso pessoal. Há um caminho de enganos, de esperanças desenganadas, de interacções sociais desejadas e menos que desejáveis. E, na soma de tudo isto, há todo um olhar sobre o mundo, um olhar sombrio, é certo, em que são as características negativas as que mais se destacam, mas que não deixa, por isso, de ser menos verdadeiro. E que pode não ser a mais bela visão da sociedade, mas que faz certamente pensar. 
Por último, e partindo ainda desta visão global da sociedade, sobressai um contraste, já que o tradutor observa o mundo de dentro, mas como se não lhe pertencesse, na verdade. E, assim sendo, a sua figura é a de alguém infinitamente sozinho. De alguém que todos deixaram para trás, incluindo ele próprio. Cria-se, assim, uma estranha melancolia, que, também ela estranhamente cativante, acaba por despertar empatia num mundo onde ela não parece ter lugar. 
E chegados ao fim, fica a impressão de uma boa surpresa. De uma leitura completamente diferente, mas em que se reconhecem todos os traços de uma escrita muito própria e de uma visão do mundo também ela bastante vincada. E de um livro em que, porque o que acontece é tão importante como o que é deixado por fazer, tudo cativa e tudo surpreende. Muito bom, em suma.

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