Algo correu terrivelmente mal no Verão de 1972. E tudo começou porque dois segundos foram adicionados ao tempo. Foram esses dois segundos que causaram o acidente - e, a partir dele, a sucessão de acontecimentos terríveis que mudou para sempre a vida de Byron Hemmings. Byron, que sempre foi esperto e que parecia ter um futuro promissor pela frente. Mas que, em poucos meses, veria a vida e todos os seus planos mudarem radicalmente. E não para melhor.
A primeira coisa a cativar neste O Bizarro Incidente do Tempo Roubado é, mais que a história propriamente dita, a escrita da autora. Não que a história não tenha também muito de brilhante, porque tem, mas aquilo que primeiro chama a atenção é a forma como a autora narra a história das suas personagens, num registo que, algo introspectivo, mas sem perder de vista a linha dos acontecimentos, reflecte na perfeição tanto os acontecimentos como os sentimentos e pensamentos que estes despertam nas personagens. É isso, essa sensação de proximidade, que primeiro cativa para a história, primeiro pela beleza das palavras, e depois pela forma como estas reflectem a estranha dualidade de tristeza e esperança que está, no fundo, no cerne de toda esta história.
Mas falemos da história, porque também nela há muito de bom para descobrir. Centrada acima de tudo nos dois amigos - Byron e James - e no que aconteceu naquele fatídico Verão, a história oscila entre dois períodos diferentes da vida dos protagonistas, deixando antever as tragédias do futuro, mas sem as revelar por inteiro. Aliás, há uma grande surpresa escondida nesta dualidade, uma revelação que, além de surpreendente por si mesma, está na base do final de grande impacto com que a autora conclui esta história.
Mas, mais que de grandes acontecimentos isolados, e ainda que haja um na base de tudo, a história faz-se também de pequenas coisas. Da vida familiar de Byron, que lentamente vai mudando, da forma como uma nova influência externa altera todas as rotinas que alguma vez conheceu, despoletando um tal caminho de mudanças que nada de familiar poderá alguma vez permanecer, e da forma como algo tão simples como um pequeno mal entendido pode ser a faísca que desperta o caos. Todos os momentos, pequenos e grandes, têm algo de marcante nesta história. E isso acontece não só por todos serem relevantes para o contexto global, mas também porque até a mais pequena situação revela algo de novo sobre a natureza das personagens.
E falta, claro, falar das personagens. Byron e James podem ser as figuras centrais do enredo, mas há todo um conjunto de personagens a condicionar a sua história. Personagens boas e personagens más, mais ou menos normais ou absolutamente estranhas. Mas todas elas relevantes, de uma forma ou de outra, para traçar o caminho que levará Byron - principalmente, mas também James - àquilo que será o seu futuro. Personagens que, na sua crueldade, ou bizarria, ou inocência, ou capacidade de manipulação, revelam tanto de si mesmas como das personagens que elas próprias influenciam. E que convergem num todo complexo, em que pensamento e emoção se revelam como facetas complementares de uma mesma empatia.
Com uma escrita belíssima e uma história repleta de momentos brilhantes, este é, pois, um livro que acaba por se revelar como memorável em todos os aspectos. Na inocência das personagens, e na forma como esta entra em contradição com a vastidão do mundo. Na estranha mistura de intriga e interesse que parece abalar as fundações de uma vida aparentemente perfeita. E, acima de tudo, no difícil percurso de um crescimento em que nada é fácil e nada é seguro. Tudo isto numa narrativa cativante, comovente e surpreendente em todos os momentos certos. Brilhante, em suma.
Autora: Rachel Joyce
Origem: Recebido para crítica
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