Tomé sempre viveu acorrentado, e nunca questionou o porquê. As noites, sempre as passou na cave. Os dias, passa-os entre pequenas tarefas e os ensinamentos que lhe são transmitidos pelo pai. Mas liberdade, essa, nunca a conheceu. Mas, de repente, tudo muda e, forçado pelas circunstâncias a deixar a casa que é tudo o que alguma vez conheceu, Tomé descobre-se num mundo que não é nada do que julgava. E, enquanto parte de um projecto que deveria mudar o rumo da história, encontra-se perante perguntas a que talvez ninguém possa responder. Quem é, realmente? E que papel lhe cabe nesse mundo que nunca conheceu?
Um dos aspectos mais cativantes deste livro prende-se com o facto de conjugar o desenvolvimento de um mundo diferente - ou de um futuro diferente para o mundo tal como ele é - com o que é, acima de tudo, a jornada pessoal do protagonista. A história é, antes de mais, a de Tomé, e as perguntas mais importantes prendem-se com ele, sendo algumas delas sobre as razões que justificam as suas circunstâncias ou o porquê de tanta aceitação. Mas o que começa por ser, acima de tudo, um mistério, cedo se revela como algo de diferente, com um cenário quase apocalíptico a servir de base a medidas desesperadas - e, talvez, moralmente questionáveis.
É deste aspecto surge outro dos pontos fortes deste livro, que, com uma história relativamente breve e centrada num percurso individual, consegue, ainda assim, levantar várias questões pertinentes acerca das regras que regem o mundo. As circunstâncias de Tomé, e as razões que a motivaram, fazem, desde logo, questionar se os fins justificam os meios. E, na senda desta pergunta, o papel de algumas das personagens em toda a situação levanta a questão de até que ponto estará alguém disposto a ir em nome de um suposto bem maior.
Da conjugação de todos estes pontos interessantes com um protagonista que, pelas suas circunstâncias, facilmente desperta empatia, resulta, claro, uma história envolvente. Quanto a fragilidades, sobressai essencialmente uma: é que, com tanto a acontecer e com uma situação global tão complicada, fica a impressão de que alguns aspectos poderiam ter sido desenvolvidos, principalmente no que diz respeito ao contexto, mas também, na fase final, quanto ao papel de algumas personagens em toda a situação. Não é que fiquem grandes pontas soltas - apesar do final aberto, que tudo indica ser premeditado. Ainda assim, teria sido interessante saber um pouco mais sobre o mundo onde tudo acontece e as causas que o levaram a tal ponto.
História de uma prisão fora do tempo ou do início de um futuro diferente, este é, pois, um livro que, de forma relativamente simples, mas bastante cativante, consegue, ao mesmo tempo, entreter e levar à reflexão. Interessante e surpreendente, uma boa leitura.
Título: O Dia em que Nasci
Autor: Filipe Vieira Branco
Origem: Recebido para crítica
Sem comentários:
Enviar um comentário