Ricardo está num ponto da sua vida em que não sabe se vale a pena continuar a lutar. De volta a Aveiro, lugar onde, em tempos, viveu alguns dos seus melhores dias, não sabe ao certo o que procura, só que precisa de fugir. Mas um reencontro intenso na véspera da morte da ex-namorada acaba por o deixar ainda mais perto do abismo. Suspeito do crime, Ricardo tem de lidar com a situação ao mesmo tempo que combate os seus próprios demónios. E o caminho mais fácil parece demasiado tentador...
De ritmo pausado, apesar da relativa brevidade, este é um livro que cativa, acima de tudo, pela forma como conjuga os dois aspectos que o constituem. Por um lado, o crime cometido cria uma aura de mistério em torno da história, o que, mesmo não sendo este mistério o elemento mais desenvolvido, contribui para tornar a leitura mais intrigante. Por outro lado, os dilemas interiores do protagonista, que, além de o tornarem mais humano, são de fácil compreensão: o medo do fracasso, a depressão, a dificuldade de lutar contra um mundo em que tudo são dificuldades. Em maior ou menor grau, todos passámos por momentos mais sombrios e, neste aspecto, é fácil compreender, nem que seja apenas um pouco, a posição de Ricardo.
Também a escrita é bastante cativante. Introspectiva, de ritmo pausado, mas pontuada por momentos de surpreendente intensidade, expõe com a mesma fluidez os momentos mais improváveis e as profundidades dos abismos interiores do protagonista. Além disso, ao alternar entre o diário de Ricardo e os capítulos narrados na terceira, o autor transmite uma perspectiva mais ampla daquilo que está a acontecer, apesar das perguntas que ficam sem resposta.
E é aí que está o que falta. É que, talvez pela vontade de centrar a história no percurso interior do protagonista, ou talvez pela mimetização da confusão interior no cérebro de Ricardo, há aspectos que são referidos de forma muito vaga, deixando a impressão de que uma parte da história - do passado, essencialmente - é deixada por contar. Não é fundamental ao desenvolvimento do enredo, até porque o final dá respostas mais que suficientes às grandes perguntas. Mas daria uma base mais sólida à caracterização do protagonista, e às razões que o levaram à sua percepção do presente.
Trata-se, pois, de uma história que poderia ter sido mais desenvolvida. Mas que, tal como é, breve, mas cativante, introspectiva, mas com episódios de grande impacto, cativa desde cedo e surpreende nos momentos certos. Uma boa leitura, portanto.
Título: Anjos que Tombam do Céu
Autor: Ivo Rocha da Silva
Origem: Recebido para crítica
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