Mélanie, com pouco mais de vinte anos, converteu-se recentemente ao Islão e, nos seus contactos nas redes sociais, acaba de se cruzar pela primeira vez com Bilel. Bilel é um combatente do Estado Islâmico que, por razões não muito claras, se interessou por Mélanie e está decidido a convencê-la a partir para a Síria, onde deverá ser a sua mulher. Mas Mélanie não existe. É uma personagem construída por Anna Erelle - pseudónimo, naturalmente - para obter as informações de que necessita para a sua reportagem. Mas nem Anna nem a sua cuidadosamente construída personagem conseguem prever as consequências do que estão a fazer, e muito menos que a reportagem deixará de ser um fim para se tornar no princípio de uma mudança total.
Uma boa palavra para descrever este livro seria perturbador. E perturbador por várias razões. A primeira, desde logo, é o percurso da jornalista com todos os perigos que representa. Construir uma personagem, estabelecer contacto com um terrorista, tornar-se outra para manter esse contacto - e, ao longo de todo este processo, manter a sua própria identidade, representa, nitidamente, um processo duro e repleto de dificuldades. E, ao contá-lo na primeira pessoa, a autora expõe não só a sua experiência, mas aquilo que sentiu ao vivê-la, o que, tendo em conta os acontecimentos narrados, não deixa de abalar.
A outra fonte de perturbação está nos próprios factos revelados pela experiência da autora. Da forma como tudo se processa, das razões que levam uma jovem a deixar a vida inteira para trás em nome do que lhe é prometido, das aparentes contradições que regem comportamentos e acontecimentos. Tudo isto é apresentado de forma muito pessoal, pois assenta na experiência da autora, mas muito esclarecedora. E, assim sendo, é difícil não ficar com perguntas no pensamento - sobre como, porquê, para quê. Sobre tudo.
Ainda um outro aspecto a destacar-se neste livro é o tom em que é escrito, sem descurar as complexidades do tema, mas mantendo sempre presentes as bases da experiência pessoal. Há, aliás, algo de particularmente marcante na forma como a autora apresenta - quase que dividindo - os seus próprios pensamentos e os de Mélanie, realçando a diferença entre as suas duas identidades. Claro que Mélanie é a base da reportagem e, sendo assim, é no processo de recolha de informação até à publicação da reportagem que este livro se centra. Mas há mais para além disso, e a publicação acaba por ser apenas o princípio. É algures neste princípio da mudança que o livro termina, deixando, por isso, algumas perguntas sem resposta. Neste ponto - e principalmente tendo em conta o facto de ser uma história real - é inevitável que fique uma certa curiosidade sobre o depois. Ainda assim, fica também a impressão de uma conclusão adequada.
Tendo tudo isto em conta, o resultado é um relato pertinente, escrito de forma cativante e esclarecedora, e que põe em destaque um problema que dificilmente poderá ser ignorado. Memorável e muito interessante, uma boa leitura.
Título: Na Pele de uma Jihadista
Autora: Anna Erelle
Origem: Recebido para crítica
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