Entrou no mundo secreto ciente de ter o perfil mais adequado ao papel e, desde esse dia, assumiu inúmeras identidades e desempenhou missões que - pela dificuldade e pelas consequências - deixaram marcas na sua memória. Por fim, a sua sensatez levou-o à decisão de sair do momento certo. Mas agora, há uma ameaça a pairar sobre o futuro do país e, por mais que a ideia lhe desagrade, há um papel no combate a esse inimigo desconhecido que só ele será capaz de desempenhar. Para o fazer, terá de voltar ao mundo secreto - e a um passado não totalmente resolvido. E, mesmo assim, as respostas podem não ser suficiente para travar a tempo a catástrofe que se avizinha...
De tudo o que este livro tem de bom - e tem muito - há, acima de tudo, um aspecto que sobressai: a forma como o autor constrói uma intrincada e complexa teia de relações e revelações em torno das suas personagens. No cerne da narrativa, há quase que um estranho duelo entre o Peregrino e o Sarraceno. Mas, para ambos, há um passado complexo, em que até o mais pequeno passo é relevante e onde até o (aparentemente) mais inofensivo fragmento de informação acaba por ser relevante. Ora, este entretecer de ligações, associado a uma muito necessária base de contextualização, pode fazer com que a fase inicial do livro seja um pouco mais pausada. Mas, quando as coisas começam a revelar a sua verdadeira complexidade, é esta fusão perfeita de todos os pormenores que torna a leitura tão interessante.
Outro grande ponto forte é a construção da personalidade do Peregrino e, ainda que em menor grau, do Sarraceno. A forma como o passado os molda é inegável, e magistralmente reflectida na construção dos seus percursos. Mas é também fulcral para a forma como a história se desenvolve. Além disso, no caso particular do Peregrino, há algo de estranhamente fascinante no desvendar de uma personalidade complexa que tem tanto de forte e de carismático como de falível e de vulnerável. Um protagonista que é, em si mesmo, um espelho de contrastes e que, pela sua posição inigualável, serve também de base para uma ponderação sobre a sempre pertinente questão de onde se traçam os limites quando a vida de muitos está em jogo.
Mas importa realçar isto: ainda que haja uma caracterização profunda e uma vasta teia de relações a assimilar, isso não significa que a acção fique para segundo plano. Este é, aliás, outro dos aspectos que tornam esta leitura tão interessante. É que, ao mesmo tempo que desenvolve as suas personagens e as bases que fundamentam as suas acções, o autor constrói um enredo em que há sempre algo de relevante a acontecer, uma pista prestes a ser encontrada ou um episódio que, ainda que pareça de menor importância, acaba por acrescentar algo de novo à história. Tudo num equilíbrio meticuloso, moldando uma narrativa de intensidade crescente e que culmina num final impressionante.
Complexo mas envolvente, intenso e surpreendente, com um protagonista brilhantemente construído e uma história em que até o mais pequeno fragmento é relevante, trata-se, por isso, de um livro que supera amplamente as expectativas. Recomendo sem reservas.
Título: Peregrino
Autor: Terry Hayes
Origem: Recebido para crítica
Caramba, parece um daqueles livros que faz você pensar e se deliciar ao mesmo tempo. Me interessei muito!
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