Quando foi levado para o hospital psiquiátrico Beckomberga, Jim tinha acabado de ser encontrado na neve depois de ter engolido uma dose massiva de comprimidos. Havia nele uma escuridão, uma sombra que nunca se dissipou. Mas ali parece ser finalmente feliz - apenas ali. Como visitas, tem a mulher que deixou de o amar e a filha que nunca deixou de o querer. Como amigos, um médico que tem o estranho hábito de levar pacientes a festas no exterior e uma outra paciente que se transformou no amor da sua vida. E o tempo vai passando, como que ao ritmo das memórias. Jimmie e a filha Jackie têm uma relação como nenhuma outra. Mas a passagem das trevas para a luz pode muito bem ser impossível... e a verdade é que tudo termina, um dia.
Uma das primeiras coisas que importa referir sobre este livro é que, ao longo de toda a narrativa, as perguntas são tão importantes como as respostas. Isso significa que a sensação de confusão que por vezes emerge dos avanços e recuos nas memórias das personagens nem sempre é totalmente dissipada e que há futuros e acções que nunca ficam totalmente claros. Alguns insinuam-se nas entrelinhas. Outros há que desaparecem simplesmente. E, assim, muito é deixado à imaginação, o que acaba por deixar alguma curiosidade insatisfeita, ainda que também a sensação de que o que fica em aberto faz sentido.
E faz sentido porque a história vive tanto de acontecimentos como de memórias e pensamentos das personagens. Jim, Jackie e aqueles com quem interagem têm em comum uma única faceta: a imensa dualidade entre as trevas e a luz com que todos se debatem dia após dia. E isso nem sempre se faz de actos visíveis, o que significa também que não há uma vitória derradeira. Há pequenas coisas - no hospital e fora dele - a manter suspenso o equilíbrio entre luz e sombra, vida e morte. Vícios, emoções, pensamentos passatempos... e relações. E de tudo isto se faz esta história, em que também a sanidade é uma linha ténue e, por vezes, difícil de vislumbrar.
A própria escrita é um reflexo deste delicado equilíbrio. Belíssima, sempre, mas num registo quase que fragmentário, como que evocando pedaços de um sonho muito estranho. Às vezes, um diálogo simples, de frases curtas, mas em que há algo de transcendente a insinuar-se nas sombras. Às vezes, uma introspecção profunda, da qual emerge apenas um acto que fica por pronunciar. Tudo isto numa sucessão de momentos, de fragmentos de vida, um pouco vagos, mas dando forma a uma imagem de tristeza e de fragilidade que fica na memória bem depois de terminada a leitura.
E, assim, a imagem que fica é como que a de um mergulho nas profundezas da mente. Uma viagem em que as partes mais importantes da história acontecem no interior e em que, por isso, nem tudo é visível, apesar de estar lá. O resto fica nas asas da imaginação... que continua a trabalhar muito depois do fim do livro.
Título: A Gravitação do Amor
Autora: Sara Stridsberg
Origem: Recebido para crítica
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