Vivem-se tempos de fausto. Graças ao ouro do Brasil, D. João V pode lançar-se em obras, ambições e sonhos de grandes relações religiosas... enquanto que outros permanecem na pobreza, cuidadosamente escondida pelo esplendor dos grandes momentos. É nesses tempos de glória, mas também de alguma insatisfação, que surge Pedro de Rates Henequim. No Brasil, ganhou conhecimentos que só ele consegue alcançar e acredita que a única coisa de que precisa para devolver às terras do Brasil o seu estatuto de paraíso terreno é, talvez, de um rei melhor. Mas, se querer roubar território ao rei é traição, as profecias de Pedro de Rates aproximam-se de heresia. E, quando se fazem inimigos em todos os lados, é difícil escapar as dificuldades...
Percorrendo três pontos de vista diferentes - o de Pedro de Rates Henequim, o de Alexandre de Gusmão e ainda as notícias da Gazeta de Lisboa - este é um livro que é tanto a história das suas personagens como o retrato da época em que se move. Por Pedro de Rates, preso nos Estaus e à espera da misericórdia do inquisidor-mor, ficamos a conhecer o percurso da sua vida e as suas ideias, mas também o modo de vida no Brasil do seu tempo. Por Alexandre de Gusmão, as ambições do rei, as intrigas de corte e as diferentes opiniões no seio desta. E pela Gazeta de Lisboa revelam-se pequenas coisas - sendo, contudo, mais o que não é dito, realçando-se assim a diferença entre o que o povo sabe e o que realmente acontece.
Ora, se estas três linhas da narrativa parecem, de início, não ter muito em comum, a teia da história vai-as aproximando. E é esta convergência gradual que, num livro que, graças à vasta descrição, não é propriamente de leitura compulsiva, confere à narrativa uma intensidade cada vez maior, que culmina num final não propriamente inesperado, mas, ainda assim, bastante impressionante.
Ainda um outro aspecto que importa referir quanto a este livro (e é também um toque delicioso) é que, apesar de centrado nas cartas dos dois protagonistas, grande parte do enredo é narrado na terceira pessoa por um narrador não identificado. Narrador esse que não se coíbe de, nos momentos certos, fazer uns quantos comentários certeiros que não só conferem às coisas uma nova perspectiva como lhe dão o fino toque de ironia de quem, observando de longe, tem, ainda assim, opiniões muito claras sobre o que vê.
Mas voltando à descrição. Há, de facto, muito contexto histórico a assimilar ao longo deste livro, o que confere à narrativa um ritmo pausado. Mas é curioso que este ritmo mais lento não diminui em nada a envolvência da leitura. Porquê? Primeiro, pela tal voz cativante e inesperada que vai contando grande parte da história. E depois porque esse vasto contexto histórico é complementado pelos momentos de aproximação pessoal (principalmente nas cartas e acima de tudo nas de Pedro de Rates) em que há laivos de emoção a vir ao de cima.
Interessante, envolvente e, nos momentos certos, surpreendente, trata-se, portanto, de um livro em que factos históricos e vivências individuais se conjugam num intrigante equilíbrio. E que, mesmo pedindo algum tempo para assimilar todos os pequenos pormenores, vale cada segundo do tempo nele empregue. Recomendo.
Título: Ouro Preto
Autor: Sérgio Luís de Carvalho
Origem: Recebido para crítica
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