Um Livro Amarelo de Natal: será possível? Se tivermos em conta que esta colecção parece viver de contrastes e relações entre as obras que a conformam, será possível encontrar, para este tema, histórias que sejam ao mesmo tempo comuns e contrastantes? É um desafio, claro. Mas e se... a premissa se ajustar um pouco à época? Do amarelo, passa-se a um vermelho mais natalício. E quanto ao conteúdo? Bem, se semelhança e contraste são os requisitos... então missão cumprida.
Sendo umas das coisas mais curiosas e interessantes nestes Livros Amarelos a capacidade de projetar a uma luz diferente obras e conceitos aparentemente muito distintos, surge, ao embarcar nesta leitura, desde logo, uma dúvida. Contos de Natal: bem, o elo comum é óbvio. Mas e a diferença? Acontece, porém, que lidas as três histórias essa diferença torna-se clara, não só entre os diferentes contos, mas também na diferença intrínseca entre o que cada um destes contos é e o que à partida se espera de uma história natalícia. Mas lá voltaremos.
Antes disso, queria referir mais uma vez o aspecto. Seguindo as linhas visuais dos outros livros da colecção, a temática natalícia dá-lhe, ainda assim, alguns laivos de diferença. De cor, desde logo, mas também, ainda que discretamente, no conteúdo. Não há imagens, como nos anteriores, mas há uma certa - à falta de melhor palavra - cintilação que evoca na perfeição o espírito da época. E, assim, o livro é diferente, mas não demasiado, encaixando perfeitamente no conceito dos Livros Amarelos.
E, agora sim, passemos às histórias, pois é a partir delas que se torna visível a tal diferença no "espírito Natalício." A primeira, A Noite que Fora de Natal, de Jorge de Sena, leva-nos à Roma dos Imperadores, à noite da morte do deus Pã e ao (possível) nascimento de um outro deus. Não é propriamente uma história sobre o Natal - ou, pelo menos, sobre o nascimento efectivo de Cristo - mas antes uma visão sobre outro tipo de nascimento. E isso, essa visão invulgar, associada a uma escrita sempre cativante e à naturalidade com que descreve até os acontecimentos mais negros do conto, tornam a leitura cativante e surpreendente.
Já quanto à Carta do Pai Natal, de Mark Twain, bem, é o que se esperaria de uma carta do Pai Natal. Mas, além da escrita leve e sempre cativante, há um outro aspecto a sobressair: a possibilidade de imaginar a filha do autor a ler esta carta, a seguir as instruções, a ver concretizadas as tão invulgares ideias que surgem no papel. São poucas páginas, mas, se as imaginarmos concretizadas, são fascinantes. E é esse o grande ponto forte desta pequena carta.
Por fim, o texto mais longo: Os Mortos, de James Joyce. Não é propriamente no Natal, mas numa festa de Ano Novo que as coisas acontecem. E as coisas que acontecem são bastantes e difíceis de descrever: danças, conversas políticas, melodias inesperadas, descobertas e redescobertas, recordações. O texto é extenso (para um conto) e nem sempre é fácil perceber o rumo da história, mas a verdade é que nunca deixa de ser cativante. E a fase final, com a sua pequena grande revelação, de passado e de percepção do presente, acaba por se entranhar na memória bem depois de terminada à leitura.
São histórias muito diferentes, portanto. E, porém, o conjunto faz sentido. E é por isso, pelo sempre presente equilíbrio entre o comum e o contrastante, bem como pela forma como tudo se conjuga num livro bonito em forma e conteúdo, que vale bem a pena descobrir esta leitura natalícia. (Ainda que natalícia de uma forma um tanto inesperada). Muito interessante.
Título: A Noite que Fora de Natal / Carta do Pai Natal / Os Mortos
Autores: Jorge de Sena / Mark Twain / James Joyce
Origem: Recebido para crítica
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