Aos olhos do mundo, Jillian tem uma vida perfeita: uma carreira de sucesso, uma vida estável e um marido que, além de atencioso, é também um bom pai. Só ela sabe como a verdade é bem diferente. Há anos que as agressões se sucedem, mas houve sempre algum motivo - os filhos, o medo, a certeza de que as consequências seriam terríveis - que a levou a ficar. Agora, contudo, a situação parece ser irreversível. Quando diz ao marido que não consegue continuar, tudo acontece muito depressa. Em menos de nada, Jillian vê-se obrigada a fugir com os filhos para se manter viva. Mas, aos olhos do mundo, Gordon é o marido perfeito. Poderá a verdade ser mais forte que as suas mentiras?
Bastam alguns capítulos para ficar com uma muito boa ideia do que vai ser esta leitura: angustiante. Intenso e perturbador desde os primeiros capítulos, retrata na perfeição a vida dupla de uma vítima de violência doméstica que conhece o inferno em casa e mostra a vida perfeita aos olhos do exterior. E, de revelação em revelação, retrata um mundo interior para a protagonista - e para aqueles que o rodeiam - que é tão aterrador como realista e que, por isso, facilmente abala quem o está a ler.
Parte deste impacto deve-se ao enredo em si, magnificamente construído tanto nas coisas que acontecem, como no desenvolvimento das várias personagens. As contradições que fazem duvidar, os extremos de agressividade e de ternura, a necessidade de lutar e o desespero de fugir, as certezas, os erros, as impressionantes manipulações... Há toda uma teia de intrigas no seio de uma única relação e a forma como a autora conjuga todas estas facetas é algo de muito impressionante.
Também particularmente marcante é a construção das personagens. Gordon, agressor, mas capaz de se mostrar ao mundo como estável, afectuoso e, no fundo, a escolha perfeita. E Jillian, por outro lado, vítima de Gordon, sem dúvida, mas também ela com os seus erros e imperfeições. Erros e imperfeições que se tornam particularmente relevantes numa história destas, porque, sendo eles que a tornam humana, também fazem parte das armas usadas por Gordon. E, afinal, quem nunca ouviu o argumento "ela também não era nenhuma santa" como desculpa numa discussão sobre o tema da violência doméstica? Também isto torna a história mais complexa e, acima de tudo, mais realista. E, claro, consequentemente, mais marcante.
Mas, ainda que a história se centre essencialmente nas circunstâncias de Jill e na forma como luta para se proteger e aos filhos do marido, há, ainda assim, pequenos elementos secundários que tornam a história ainda mais interessantes. É que, num enredo tão intenso, tão sombrio, nos seus momentos mais perturbadores, há pequenos lampejos de luz que tornam tudo um pouco mais leve. As interacções de Jill com o pai, Connor, certos momentos das crianças... são pequenos laivos de ternura e de humor que, numa história de contornos tão negros, funcionam como verdadeiros raios de luz por entre as trevas. Refrescantes, surpreendentes... e como que a insinuar uma certa esperança.
Intenso, angustiante, surpreendente, trata-se, portanto, de um relato perturbador do pesadelo da violência doméstica. Sem fugas fáceis, sem julgamentos precipitados e com toda a complexidade e compaixão que um tema destes exige, absorve desde as primeiras linhas e entranha-se na memória a cada nova revelação. E, sempre realista, é um livro que não se esquece facilmente. Que mais dizer, então, sobre este O Fim do Silêncio? Só isto: que recomendo. Sem reservas.
Título: O Fim do Silêncio
Autora: Suzanne Redfearn
Origem: Recebido para crítica
Sem comentários:
Enviar um comentário