O mundo mudou. Previram-se avanços tecnológicos, a existência de vida inteligente noutros planetas e, no entanto, nada podia ter preparado a Terra para a nova realidade. Agora, Bruxelas foi reduzida a destroços, os visitantes instalaram-se num anel em torno do planeta e as regras que regem as espécies visitantes são tão estranhas e complexas que nem eles parecem alcançá-las por completo. Uma coisa é certa - há tecnologia proibida a solta e isso pode muito bem ser o suficiente para despertar a ira das Potestades. Principalmente, quando há um inimigo à solta no planeta - astuto, sem escrúpulos, com meios pouco menos que ilimitados. E capaz de mover todas as forças do mundo para levar a cabo o seu objectivo. O mundo mudou, sim. E o que dele resta pode muito bem estar a acabar.
Permitam-me começar com uma pequena observação: estão a ver aquela frase ali na capa que fala no melhor livro português de ficção científica? Bem, é uma promessa pesada, não é? E escusado será dizer que, lido isto, é inevitável partir para a leitura com as expectativas altíssimas. Pois deixem-me que vos diga: não sei se é o melhor livro português de ficção científica, mas é certamente um dos melhores que já li. E ultrapassou em muito todas as minhas (altas) expectativas.
Mas vamos por partes. Uma das primeiras coisas a chamar a atenção neste livro é a sua complexidade. Complexidade na intriga, complexidade nos cenários, complexidade nas personagens e no tipo de características (individuais e enquanto espécie que as definem). Complexidade, em suma, que impõe uma forte componente descritiva e, em consequência, um ritmo um pouco mais pausado de modo a que todos os pormenores sejam assimilados. Mas há, desde logo um aspecto curioso: é que a toda esta (sim, repito-me) complexidade, associa-se um outro, a capacidade de fascínio, que mantém sempre viva e fulgurante uma insaciável curiosidade em saber mais, em descobrir o que segue. Cria-se assim um poderoso equilíbrio, entre a vastidão de detalhes que é preciso absorver e a forma como a própria história incentiva a essa absorção.
E é vastíssimo este mundo, pejado de referências literárias e cinematográficas, mitológicas, científicas e mais. Vastíssimo na construção de cenários e de povos, nas múltiplas componentes que constituem este mosaico. Mas também - e aqui está a verdadeira alma de um livro que é todo ele impressionante - na construção das várias personagens que povoam este livro. Roy Baker, em particular, é uma personagem fascinante, mas, à sua maneira, quase todos os intervenientes nesta história tem algo de marcante. E a forma como as várias facetas do enredo se entrelaçam, numa teia de intrigas sempre surpreendente e que converge para um final praticamente perfeito, faz com que todos os momentos, mesmo os mais simples, mesmo os mais aparentemente inócuos, acabem por contar para o impacto final de tudo.
Mas voltando às personagens. Há ainda um outro aspecto que é preciso realçar e este prende-se com a capacidade de, num mundo tão complexo e em que os planos globais ameaçam, por vezes, sobrepor-se às intenções individuais, construir momentos de emoção. Às vezes discretos ou até aparentemente inconsequentes, tendo em conta a perspectiva global das coisas. Mas são também esses momentos (e, mais uma vez, Roy Baker parece protagonizar alguns dos mais impressionantes) que reforçam o tal delicado equilíbrio entre a complexidade e o fascínio, pois, revelando as vulnerabilidades (e a humanidade, no seu sentido mais vasto) das personagens, criam entre história e leitor um elo muito mais forte.
E (repito-me, mais uma vez) é tão vasto este mundo, tão intensa e intrincada a sua história, que muito mais haveria a dizer. Mas a verdade é que contar demasiado estragaria a surpresa. E este é um livro que, por todas as razões e mais algumas, merece ser apreciado em toda a sua glória, passo a passo, revelação e revelação. Para guardar na memória, muito depois de terminada a leitura, como um favorito incondicional.
Título: Terrarium
Autores: João Barreiros e Luís Filipe Silva
Origem: Recebido para crítica
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