Enquanto filha do general, Kestrel sabe que só tem duas opções: alistar-se no exército, e manter a sua independência sob as ordens do pai, ou casar-se e renunciar-lhe por completo. Mas o destino tem outros planos para ela. Tudo começa quando, quase sem saber porquê, decide comprar um escravo por um preço exorbitante. De nome Arin, parece não se submeter de boa vontade ao seu destino, e contudo cumpre imaculadamente as ordens que lhe são dadas. E se a compra em si basta para fazer de Kestrel tema dos mexericos da sociedade, as coisas tornam-se ainda mais complexas à medida que ela começa a fazer-se acompanhar do seu novo escravo. Kestrel, porém, não consegue evitar o fascínio que sente por Arin - e por um passado que ele parece querer esconder o mais longe possível. Mas Arin tem um segredo. E, quando este se revelar, as consequências serão devastadoras... e o mundo de Kestrel poderá nunca mais ser o mesmo.
De todas as qualidades que este livro tem - e, permitam-me dizê-lo, é um livro cheio de qualidades - a que primeiro chama a atenção e também a que mais fica na memória é a capacidade de despertar emoções fortes. Bastam as circunstâncias em que tudo o começa para despertar uma certa empatia para com as personagens - e para sentir que o que se seguirá nunca, mas nunca será fácil. E, a partir deste ponto, a forma como a autora entretece segredos e revelações, aproximações e rupturas, perigos, conflitos e sacrifícios dá forma a um turbilhão de emoções em que, tanto nos grandes momentos como nas pequenas coisas, há toda uma base de sentimento que é muito difícil não admirar.
Para isto, contribuem também as personagens. Claro que as mais marcantes são os protagonistas, Kestrel e Arin. Kestrel, reflexo da sua educação de filha de conquistador, e porém capaz de questionar, de ponderar, dividida entre lealdades e convicções do que está certo. E Arin, o mistério em forma humana, filho de um povo escravizado, mistura da matéria de que se fazem os heróis e os mártires e também ele dividido entre o que sente e a lealdade que deve ao povo a que pertence. São ambos intrigantes, ambos complexos. E, juntos, formam uma teia de momentos intensos, de verdades difíceis e de um potencial tão vasto que facilmente se quer conhecê-los, desvendá-los... admirá-los.
Mas há ainda um outro ponto a reforçar este equilíbrio delicado. Sim, a história centra-se em grande parte no que sucede com Arin e Kestrel. Mas, em torno deles, há um sistema com um imenso potencial, cheio de segredos e possibilidades. Sistema em que é fácil reconhecer as influências históricas, mas também uma identidade própria que desde muito cedo se afirma, conjugando assim da melhor maneira o novo e o familiar, numa narrativa em que contexto, personagens e enredo parecem conjugar-se num todo quase perfeito.
Trata-se do início de uma trilogia e, assim sendo, são inevitáveis as perguntas sem resposta, guardadas as explicações para o que virá a seguir. Mas é interessante a forma como a autora encerra este primeiro volume, deixando novos caminhos e novas possibilidades para o futuro das personagens (e uma grande declaração, que é também uma grande pergunta sobre o futuro, como conclusão do livro), mas como que encerrando uma fase da vida das personagens. O que vem a seguir será diferente: parece ser essa a promessa deste final. E também isso contribui em muito para despertar curiosidade acerca do que virá.
Com um leque de personagens fortes, um cenário complexo e um enredo à altura das figuras que o habitam, a impressão que fica deste A Maldição do Vencedor é a de um livro intenso, muito emotivo e cheio de surpresas. Enquanto início de série, dificilmente poderia ser mais promissor. E o resto... o resto define-se numa palavra: apaixonante.
Título: A Maldição do Vencedor
Autora: Marie Rutkoski
Origem: Aquisição pessoal
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