Tornou-se rei muito jovem e isso, aliado à situação instável deixada pelo pai e aos conflitos de interesses dos nobres da sua cúria, fez com que cedo fosse questionado. E, porém, brando e tolerante, Sancho não deixaria de tentar governar com justiça. A história (contada pelos seus inimigos) guardá-lo-ia como um "rei inútil". O caminho, esse, seria bem diferente. E, traído por muitos, abandonado por quase todos, mas decidido a lutar até ao fim, o verdadeiro carácter de Sancho perduraria para além da morte no coração dos seus poucos fiéis. D. Sancho II, rei de Portugal. Esta é a sua história.
Partindo de um fim iminente e recuando depois ao passado para contar a história, este é um livro que cativa, em primeiro lugar, pela sensação de mistério e tragédia que cedo transmite a quem o começa a ler. Tragédia anunciada, claro, para quem conhece a história de Portugal, mas não menos marcante pelo desfecho já conhecido. E é, aliás, este impacto emocional, esta capacidade de despertar emoções no seio de uma tão densa teia de intrigas, que desde muito cedo cativa e não deixa de marcar até ao fim.
Centrado numa figura histórica e estando esta também no centro de um contexto difícil, quase tudo é complexo neste cenário. Desde as intrigas da cúria aos planos e conspirações tecidos na distância, passando pelos combates e determinações reais, as mudanças no âmbito das relações e ainda a tensão que parece unir todos os elementos, tudo parece suster-se num equilíbrio muito precário. E a forma como a autora retrata este equilíbrio, abordando com a mesma precisão as intrigas de corte, as grandes batalhas e os pequenos momentos privados, confere a tudo um impacto mais forte, dando mais vida até ao mais simples dos momentos.
Mas há ainda um outro aspecto particularmente marcante: a forma como, com tantas personagens, tantas forças em conflito, tantas idas e vindas através do tempo, a autora consegue abordar tudo isto e mais sem nunca perder de vista a construção de um grupo de personagens humanas e complexas. Sancho é a figura central, claro, e é ele, naturalmente, quem se destaca: falível, vulnerável, e contudo forte quando é preciso, cuidadosamente encaminhado para a tragédia, mas ainda assim decidido a persistir. É uma visão nova da personagem e um claro contraste com o retrato traçado pelos seus inimigos. E essa nova visão, mais forte, mais humana, mas empática, dá a todo o enredo uma nova alma - pois, mesmo sabendo de antemão como tudo acaba, é fácil sentir com o protagonista.
Complexo, mas sempre marcante e com um equilíbrio quase perfeito entre as várias facetas que o constituem, trata-se, pois, de um livro que cativa desde muito cedo e em que tudo converge para o tornar memorável. Reforçando desde muito cedo a ideia que fica bem depois de terminada esta leitura: vale muito a pena conhecer Sancho.
Título: Conheces Sancho?
Autora: Maria Helena Ventura
Origem: Recebido para crítica
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