Consta que Edgar esteve nove dias sequestrado, enquanto os raptores pediam um resgate ao seu possível futuro sogro. Ou, pelo menos, é essa a versão oficial dos factos e a história que ele está ali para contar ao inspector da Polícia Judiciária que, num silêncio terminante, ouve as suas declarações. Ora, Edgar é um tipo simpático, com muitas histórias bizarras para contar e uns quantos casos de saias no passado. Mas rapto? Porquê? Há qualquer coisa que não parece bater muito certo. E, à medida que conta a sua história ao inspector, há pistas que começam a insinuar-se por entre as caricatas desventuras do seu passado. E o mistério do rapto... (alegado rapto, digamos)... pode muito bem ter uma resolução inesperada.
Menos de cento e cinquenta páginas, uma história bastante breve e tão simples como o relato do protagonista que dela faz... e, porém, cheia de surpresas do início ao fim. Poder-se-ia descrever assim, desta forma muito breve, este Primeiro as Senhoras, história de um "bom malandro" em circunstâncias difíceis e de todas as desventuras que o levaram ao ponto onde está. E é precisamente este ponto o primeiro a despertar a atenção. Partindo do depoimento da vítima de um alegado rapto, a história desperta, em poucas frases, uma curiosidade irresistível. Porque é que Edgar foi raptado? Por quem? Como é que voltou? E, se basta isto para querer saber o que acontece a seguir, a forma como este enredo se vai desenrolando (com novas versões, reminiscências passadas e outras peripécias mais ou menos relacionadas com os acontecimentos) cria um conjunto mais abrangente de aventuras (e desventuras) em que tudo é cativante. Ah, e divertido. Muito divertido.
Também cativante e divertida (sim, estas palavras poderiam muito bem definir todo o livro) é a forma como o protagonista narra as suas aventuras. Dirigindo-se ao inspector enquanto declarante, parece adoptar a postura de alguém com muitas histórias para contar, como se, contando-as, pudesse lançar uma nova perspectiva sobre a sua situação e, ao mesmo tempo, estabelecer algum tipo de estranha amizade. Ora, isto torna-se particularmente curioso porque não há, efectivamente, uma única palavra do inspector, o que deixa ao leitor o papel de imaginar as reacções do outro lado. E, sendo Edgar o protagonista de tantas e tão curiosas peripécias, é fácil imaginar a posição do inspector perante tudo aquilo. E o que lhe poderá estar a passar pela cabeça.
Mas voltando ao mistério... bem, chegados a certo ponto da história, há respostas que não são difíceis de adivinhar. Mas o curioso é que nada se perde com isso, em termos de envolvência do enredo. Primeiro, porque a forma como Edgar faz as suas revelações deixa sempre pequenas perguntas e possibilidades em aberto, o que mantém acesa a vontade de saber mais. E segundo, porque essas respostas são tão inesperadas e invulgares que, mesmo quando tudo se torna claro, fica a inevitável surpresa no ar, como que em jeito de resposta a toda a situação: mas como é que é possível?
Cativante e divertido, portanto. Como disse, são palavras que podem muito bem definir todo este livro, que é também, apesar da sua brevidade, uma aventura fascinante e cheia de surpresas. Breve, simples, mas simplesmente delicioso, um livro que não posso deixar de recomendar.
Título: Primeiro as Senhoras
Autor: Mário Zambujal
Origem: Recebido para crítica
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