Nascida e criada numa pensão na província, Leninha nunca soube resignar-se às imposições da vida. E, contudo, o tempo ensinar-lhe-ia que todas as revoltas têm um fim. Da vida na pensão à grande cidade, da liberdade aparente às convenções que nunca poderia aceitar, da solidão em liberdade ao amor que se transforma noutra coisa, Leninha fita o passado e volta a contemplar a sua história. A história de uma existência onde nada é certo, a não ser as consequências.
Não é propriamente fácil descrever este livro, já que quer o enredo, quer as personagens, parecem desenvolver-se ao ritmo do pensamento. Ora é Leninha quem conta a sua história, ora alguém que parece observá-la. O tempo, esse, parece definir-se entre recuos à memória e ilusões de um futuro possível. E as personagens desenham-se pelo olhar da protagonista e este é muitas vezes contraditório.
Confuso? Talvez um bocadinho. Mas o mais interessante é que apesar de toda esta complexidade - complexidade tão vasta para um livro de apenas cento e vinte páginas! - tudo parece fluir com uma estranha naturalidade. E, assim, mesmo quando as motivações das personagens nem sempre são claras, mesmo quando o real e o imaginado se confundem, há algo que sempre cativa na história de Leninha e na visão que esta tem da sua vida. Talvez a rebeldia que, nem sempre consumada, não é só o título do livro, mas também o elemento dominante nos pensamentos da protagonista.
E depois há a escrita, também ela de uma fluidez sempre cativante e cheia de surpresas nas imagens que evoca. Se a protagonista está dividida - entre o que quer e o que tem, entre o fazer e não fazer, entre o passado e o futuro que sonha - essa divisão reflecte-se na voz que a autora lhe confere. Se os pensamentos se lhe confundem, a escrita espelha essa confusão. E, mesmo quando nem tudo é fácil de entender, há uma certa familiaridade na confusão, uma certa perplexidade que faz sentido - porque vem da própria protagonista.
A impressão que fica é, pois, a de um livro estranho, mas estranhamente cativante. Um livro que, mais do que simplesmente uma história com princípio, meio e fim, parece traçar as linhas de duas vidas - a que é e a que poderia ser. E é isso, no fim, que fica na memória. A ideia de uma história que pode não ser fácil de entender, mas que tem, ainda assim, algo de fascinante. E isso basta para que a leitura valha a pena.
Título: Rebeldia
Autora: Cristina Carvalho
Origem: Recebido para crítica
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