segunda-feira, 10 de julho de 2017

O Fim de Onde Partimos (Megan Hunter)

As cheias começam a invadir a cidade no momento em que ela dá a luz o seu filho e, a partir daí, nada poderá voltar a ser igual. É preciso fugir da água, encontrar um refúgio e, para o fazer, só conta consigo, com o marido e com a - estranhamente reconfortante - companhia do pequeno Z. À sua volta, o mundo fez-se caos e o tempo passa. Se a normalidade volta, ninguém sabe. Mas, entre outros que fogem, amigos de um momento ou no completo isolamento do seu núcleo pessoal, ela, R e Z continuam a ser uma família. E a vida, essa, terá de continuar.
Breve na forma e cingindo-se ao essencial no conteúdo, este não é propriamente um livro fácil de descrever. Primeiro, porque, na sua brevidade, concentra-se tanto nas linhas essenciais, que é quase difícil contar algo da história sem dizer demasiado. Mas principalmente porque, da forma como é construído, surge uma ideia estranha e intrigante: a de que tem tanta importância o que é contado como aquilo que fica por dizer.
E o curioso é que parece ser mesmo esse o objectivo, pois, do que é contado, é possível retirar um percurso, uma narrativa que explica o caminho da protagonista e as impressões do que se passa à sua volta. Mas o resto? Os sentimentos e motivações, o que move aqueles com quem se cruza, as possíveis explicações para o que está a acontecer... tudo isso é deixado em aberto, num livro onde as perguntas são muito mais que as respostas e o que fica, efectivamente, é um caminho através do caos.
Mas talvez seja precisamente por isso que resulta: porque, no caos, há sempre algo que fica sem resposta. E, assim, apesar da curiosidade insatisfeita, há algo na forma como a história flui que parece dizer que o ritmo é, afinal, o mais adequado. Que a confusão é também a da protagonista. E que o que fica por contar é secundário face à relevância fulcral do que é, afinal, o núcleo desta história: a força do amor familiar, mesmo perante o abismo.
E, claro, há a escrita, que adquire ainda maior relevância se considerarmos a estrutura deste livro. Pois, numa narrativa onde cada frase contém um todo mais vasto, é preciso que as frases digam tudo em muito pouco. E é exactamente isso que acontece aqui. Cada frase é um marco memorável, seja ela um pensamento errante da protagonista ou a simples descrição de um facto.
Bastante breve, mas com uma estranha complexidade que se estende para lá das palavras, trata-se, portanto, de um livro invulgar, em que a aparente solidez do mundo se torna caos e a volubilidade do afecto se torna firmeza. É esta curiosa impressão que fica na memória depois de terminada a leitura. Esta e o muito que essa mesma ideia faz pensar. 

Título: O Fim de Onde Partimos
Autora: Megan Hunter
Origem: Recebido para crítica

Sem comentários:

Enviar um comentário