quinta-feira, 12 de julho de 2018

Pranto de Maria Parda e Auto da Barca do Inferno (Gil Vicente)

Dispensa apresentações o Auto da Barca do Inferno, com o seu anjo, o seu diabo e os passageiros com os seus pecados (mais ou menos) secretos. Maria Parda, essa, talvez seja um pouco menos conhecida, com os seus lamentos pelo preço do vinho. Mas há algo que todos aprendemos na escola: o papel fundamental de Gil Vicente no teatro português. E é por isso que, seja esta leitura um regresso ou simples primeiro contacto, a relevância é ainda e sempre a mesma. Até porque há aspectos que não podiam ser mais actuais.
Antes de falar da obra propriamente dita - e escusado será dizer que há nelas motivos mais que suficientes para fazer com que a leitura valha a pena - importa falar um pouco desta edição. Além de ser um livro bonito, como é, aliás, característica desta colecção de clássicos, é também um livro bastante completo, pois ao texto propriamente dito acrescenta uma introdução bastante útil para compreender o percurso do autor e o contexto do seu tempo e todas as notas e explicações necessárias para apreciar o sentido da peça. É, pois, um livro em que é a obra central que domina, mas a que as explicações sucintas, mas esclarecedoras, dão uma maior abrangência.
Quanto aos textos em si, não haverá muito a dizer que vá além da análise exaustiva feita, em tempos, na escola, pelo menos no que ao Auto da Barca do Inferno diz respeito. Mas, primeiro, é sempre um prazer reencontrar estas tão caricatas e certeiras personagens. Além disso, as características da sociedade que representam podem ter ganhado formas um pouco distintas, mas continuam, na maioria, a estar bem presentes. E quanto a Maria Parda... bem, também a sua relação com o vício continua a ter muito de actual, ainda que a forma possa ter também mudado.
Ainda um último aspecto que é especialmente agradável redescobrir é a estrutura do texto. A rima, com toda a sua naturalidade, as expressões bizarras, a forma como a própria linguagem parece adaptar-se à forma de expressão das personagens... há em tudo isto uma fascinante mestria, que não perdeu nenhuma força com a passagem dos séculos. Aliás, há pequenas coisas que ganham outro sentido nesta nova leitura mais tardia, o que faz deste livro uma obra a que vale sempre a pena regressar.
Dispensa apresentações - e também não é que precise de elogios, sendo, como é, uma parte essencial da história da literatura portuguesa. Mas não deixa de ser especialmente marcante este regresso a uma tão conhecida história - e a percepção de que muito do que foi escrito então poderia muito bem dizer-se também agora. Vale a pena ler? Claro. E reler também. Várias vezes.

Autor: Gil Vicente
Origem: Recebido para crítica

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