quinta-feira, 25 de julho de 2019

As Cores do Assassino (Sarah J. Harris)

Jasper é um rapaz especial. Além da sua necessidade de uma ordem inalterável para as coisas, tem dificuldades em reconhecer rostos e o dom - embora muitos não o vejam dessa forma - de ver as cores dos sons. Mas foi também essa capacidade especial que o fez portador de um segredo terrível. Bee Larkham, a vizinha da frente, alguém que em tempos julgou uma amiga, está morta, embora ainda mais ninguém saiba. E ele teve um papel crucial nesse desenvolvimento. Sabe, por isso, que nunca pode falar do que aconteceu, mas as coisas continuam demasiado presentes. E é através das cores, a sua linguagem peculiar, que Jasper poderá entender o que realmente se passou. Só que também isso representa um perigo: se teve culpa, como julga, então haverá consequências. Se não teve, então há um assassino à solta e Jasper está em perigo...
Contar a história de um crime, e ainda mais de um crime resultante de uma teia tão complexa de relações, através do ponto de vista de uma personagem como Jasper, que vê o mundo de uma forma diferente e, por isso, nem sempre consegue entender e expressar aquilo que vê de formas que os outros compreendam, será sempre um desafio. É também, logo à partida, um factor de diferença. Assim, é apenas natural que seja preciso algum tempo para explorar e assimilar as peculiaridades desta perspectiva. O resultado é uma história que arranca de forma um pouco pausada (também devido às oscilações temporais, mas principalmente ao ritmo do pensamento de Jasper) e vai crescendo em intensidade à medida que as revelações se vão sucedendo.
Outro aspecto particularmente notável é a complexidade das personagens e a forma intrincada como as relações se vão desenvolvendo. Jasper é, por natureza, uma personagem mais vulnerável, mas não é o único. E os desenvolvimentos da história de Bee Larkham - que começa por ser uma boa amiga de Jasper, mas com uma história bastante mais sombria e ambígua por trás - juntam-se às reacções dos outros para criar revelações inesperadas. O passado de Bee desperta empatia, enquanto as suas manipulações despertam aversão. David Gilbert parece uma pessoa desagradável, mas talvez isso não faça dele o principal suspeito. O próprio pai de Jasper parece ter sentimentos contraditórios sobre o filho. E, uma vez que tudo isto é visto da perspectiva de Jasper, tudo ganha um impacto ainda maior, não só devido à inocência do protagonista, mas também à forma como abre caminho a grandes surpresas.
A distância e a lentidão iniciais dão, pois, lugar a uma multiplicação de emoções fortes que culminam num final cheio de grandes surpresas e também de sentimento. A relação de Jasper com o pai nem sempre foi fácil - e a mudança que o final opera sobre esta relação é também, em si mesma, algo de notável e de comovente: E é assim que o que inicialmente era estranheza acaba por se entranhar no coração: pelas imperfeições das personagens e pelo que têm de bom.
Cativa gradualmente, mas fica na memória bem depois de terminada a leitura. E, com o seu registo invulgar, as suas personagens imperfeitamente perfeitas e uma história repleta de momentos marcantes, faz de um arranque um pouco pausado uma viagem difícil de esquecer. Um bom livro, em suma, e um protagonista que vale a pena descobrir.

Autora: Sarah J. Harris
Origem: Recebido para crítica

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