Na sequência do bug que aniquilou todos os sistemas digitais da Terra, transpondo-os misteriosamente para o seu cérebro, Kameron Obb tornou-se o homem mais cobiçado à face do planeta. E, quando é a sobrevivência que está em jogo, os escrúpulos morais passam para segundo plano. Máfias, multimilionários, organizações pouco transparentes e, claro, os governos de vários países estão dispostos a fazer o que for preciso para deitar as mãos ao único detentor de toda a informação que se perdeu. Mas não é essa a maior preocupação de Kameron Obb. É que o bug não é apenas digital - tem uma criatura alienígena no seu corpo. Uma criatura que o está a deixar doente e que pode muito bem ser contagiosa. Acima de tudo, Kameron quer voltar a ver a filha. Mas não a qualquer preço...
Sendo fundamentalmente uma sucessão de novos desenvolvimentos no que respeita às consequências do bug e à perseguição e fuga que envolvem o protagonista, é difícil dizer muito sobre o desenrolar específico da história sem estragar as muitas surpresas do percurso. O que é, desde logo, uma qualidade, pois a sucessão de revelações e reviravoltas é um dos principais elementos a contribuir para tornar esta leitura tão empolgante. As certezas são muito poucas: Kameron tem um alienígena no corpo e todos os dados do mundo no cérebro. Há muita gente disposta a tudo para os obter. E ele não está disposto a entregar-se assim sem mais nem menos nas mãos do primeiro que lhe acontecer. Tudo o resto é uma sucessão de intrigas e movimentações, em que cada passo abre caminho a novas e inesperadas possibilidades, culminando num final que, mais uma vez, deixa tudo em aberto, prometendo, ao mesmo tempo, o início de uma nova fase para o que se poderá seguir.
Outro aspecto a sobressair é o cenário de devastação, como que de um apocalipse em câmara lenta. Sim, o caos foi quase imediato, mas a verdadeira dimensão das consequências manifesta-se de forma gradual e há algo de verdadeiramente impressionante na forma como a arte, com os seus tons sombrios e o contraste entre a estagnação dos planos afastados e o movimento dos confrontos e perseguições, reflecte este desvanecimento da vida normal. Além disso, tanto a arte como o texto propriamente dito conseguem, no meio de toda a acção e das fugas constantes, traçar os contornos de uma reflexão interessante: com o aumento da dependência tecnológica, se um dia ela se apagar, como acontece nessa história, quais serão as repercussões? Claro que o mundo actual não é, de todo, tão digital como o desta história. Mas e se fosse?
Ainda um último ponto a salientar, e um particularmente notável, é a forma como, num cenário de intrigas e perseguições globais, há, ainda assim, espaço para explorar emoções e laços pessoais. Principalmente os do protagonista, claro, com o seu apego à filha, as preocupações do mundo (literalmente) na cabeça e uma certa tristeza que se vê mais nas expressões do que propriamente nos diálogos. Mas também as obsessões dos que se viram privados de tudo o que conheciam, a incerteza de não saber o que acontece a seguir e o impacto emocional dos sucessivos encontros e separações. Cria-se uma certa proximidade, e também isso contribui para reforçar a vontade de descobrir o que mais o destino reserva para estas personagens.
Visualmente marcante, impressionante nos cenários e na visão do futuro e cheio de reviravoltas surpreendentes, trata-se, pois, de uma leitura intensa e empolgante sobre um futuro não muito impossível e em que o mais próximo são, ainda e sempre as personagens. Viciante, intrigante e muito surpreendente, um livro que não posso deixar de recomendar.
Título: Bug - Livro 2
Autor: Enki Bilal
Origem: Recebido para crítica
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