Vermelho. Cor do sangue, do coração, da tentação, da paixão... e de tantos objectos quotidianos que, vistos da maneira certa, adquirem novos significados. É a cor vermelha o mote para os dois contos que constituem este pequeno livro. Pequeno, mas de complexidades insuspeitas, por cada uma destas duas histórias esconde vidas interiores complexas e onde cada gesto pode muito bem conter sentidos ocultos.
Mercadoria parte de uma peculiar sessão de apresentação dos livros de uma escritora para revelar os meandros mais sombrios da sua vida e dos que com ela convivem. É um conto relativamente extenso e, sobretudo, com um ambiente global quase onírico, ao ponto de, por vezes, ser difícil perceber o enquadramento das diferentes visões e acontecimentos na linha temporal, real ou pensada. É curioso, ainda assim, notar como esta ambiguidade global parece conferir a toda a história uma enigmática aura de mistério, em que ninguém se dá realmente a conhecer e em que cada uma das personagens - mas principalmente a escritora - esconde na sua imagem pública complexidades insuspeitas. Junte-se a isto a escrita introspectiva e contrastante, onde uma melancolia quase poética se vê subitamente rasgado por laivos de crueldade e também de erotismo - um pouco como a presença da cor vermelha ao longo de toda a história - e a imagem que fica é a de uma história algo densa, mas definitivamente memorável.
Estádio conta a história de uma futebolista da selecção e dos muitos caminhos da sua vida para além do jogo de futebol a que se dirige. Também um pouco ambíguo, funciona, em certa medida, como um espelho do anterior, opondo à vida interior da escritora uma vida exterior exuberante e pública. Mantêm-se, ainda assim, vários pontos em comum, desde a complexidade que entrelaça imagens interiores e experiências exteriores ao percurso pessoal rasgado por laivos de perigo e de erotismo - e, mais uma vez, de vermelho. Surpreende ainda o facto de a protagonista não ser propriamente o tipo de figura que gera empatia imediata, mas, ainda assim, estar no cerne de uma história bastante envolvente.
Cada um dos contos é um todo completo, mas existe, ainda assim, uma certa impressão de coesão, não só pelo vermelho que une as duas histórias, mas pela sensação de que ambas as protagonistas são, no fundo, pessoas normais, mas únicas à sua maneira. Dificilmente poderiam ser mais diferentes, mas ambas pertencem aqui. E, assim, a imagem que fica é a de que os dois contos, embora totalmente independentes, se completam.
Breve, mas surpreendentemente complexo, trata-se, pois, de um livro que, apesar das suas pouco mais de cinquenta páginas, deixa uma marca maior do que a do seu tempo de leitura. Pode ser um pouco denso, por vezes, mas é também este delicado equilíbrio entre a complexidade e as coisas simples que torna estas duas histórias memoráveis. E isso basta - sem dúvida alguma - para fazer delas uma boa leitura.
Título: A Cor Vermelha
Autor: Jaime Soares
Origem: Recebido para crítica
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