terça-feira, 24 de março de 2020

Histórias da Justiça (António Canêdo Berenguel)

Das notas falsas escondidas nas ceroulas ao desconhecido que caminhava nu a arder, passando por outros casos tão caricatos e peculiares que é difícil imaginá-los perante um tribunal dos dias de hoje. São muitas as histórias da justiça retratadas neste livro: e se algumas delas arrancam gargalhadas, muitas servem também de base para reflexão.
Uma das primeiras coisas que importa referir sobre este livro é que os muitos casos que conta são de finais do século XIX e inícios do século XX, o que significa que os hábitos sociais e mentalidades eram muito diferentes daquilo que são hoje. Mas é precisamente este ponto que faz com que estas histórias, contadas de forma tão simples e concisa, sirvam para grandes reflexões. O que mudou na justiça e na sociedade? Na forma como certos crimes são encarados, nas normas da convivência social, no papel e nos direitos da mulher na sociedade. Não se debruçando sobre grandes reflexões - ainda que surjam, por vezes, comentários particularmente certeiros, - o autor deixa ao leitor a tarefa de ponderar sobre que tipo de meditações se podem retirar destas situações mais ou menos bizarras.
Importa também referir que muitos destes breves casos deixam questões em aberto. É, aliás, natural que assim seja, pois nem todas as histórias - ou a sua totalidade - vão parar aos registos dos tribunais. E, sendo certo que fica uma certa curiosidade insatisfeita, como, aliás, o próprio autor observa ao questionar o que aconteceu, por exemplo, às ditas ceroulas, também é certo que os elementos essenciais estão lá. Conta-se a parte que disse respeito à justiça. O resto... bem, o resto é secundário.
E, claro, há também um contexto que emerge apesar da brevidade das histórias. Manifesta-se através de coisas como a falta de licença para um isqueiro ou uma bicicleta, por um pedido oportuno da PVDE para deitar as mãos a uma condenada uma vez cumprida a sua pena por transporte de material "subversivo", pela abordagem de certos intervenientes à questão da inimputabilidade. Nada disto é explorado a fundo, mas os elementos básicos estão lá, e são muito interessantes.
O que fica é, pois, a impressão de uma leitura leve e divertida quanto baste, mas também com um importante lado sério a acompanhar. São histórias de uma justiça antiga - e, muitas vezes, caricata. Mas são também muito interessantes para ponderar o presente...

Autor: António Canêdo Berenguel
Origem: Recebido para crítica

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