Tudo parece correr bem na vida de Alison. Tem um casamento saudável, uma filha encantadora e a sua carreira de advogada parece estar no rumo certo. Acaba, aliás, de lhe ser atribuído o seu primeiro caso de homicídio. Mas nada neste percurso aparentemente tranquilo é tão harmonioso como parece. Se o casamento de Alison é feliz, então porque está a ter um caso com um colega e a refugiar-se num consumo cada vez mais excessivo de álcool? E por que razão há súbitos espaços em branco na sua memória? E quanto à sua cliente... Embora não hesite em assumir a culpa, o caso parece ser bastante mais complexo e há incongruências nos seus silêncios e no seu relato de uma relação abusiva. Alison vê-se, pois, na obrigação de conciliar um caso complexo com uma vida pessoal que parece estar a desmoronar-se. Até porque não é a única nesta história a guardar segredos sombrios...
É fundamentalmente na capacidade de surpreender que está a principal qualidade desta história. Desde o início que parece haver segredos e elementos por explicar nas relações entre as personagens, além, claro, do próprio caso que Alison tem em mãos. E é este prenúncio de grandes revelações o primeiro aspecto a cativar para uma leitura que começa por ser um pouco pausada, mas que, de evento em evento, vai crescendo em intensidade para culminar num final avassalador. Ninguém é o que parece nesta história - e até os mais aparentemente inocentes escondem segredos profundos.
Outro aspecto que sobressai é a ambiguidade moral das personagens. Alison está a ter um caso amoroso e a sua obsessão pelo trabalho leva-a, por vezes, a negligenciar a filha. Patrick é, no mínimo, contraditório com a sua mistura de gestos de facto e de brusquidão. Carl parece o marido inocente, mas esconde no seu interior uma escuridão profunda. E todas estas facetas vão-se gradualmente revelando em actos cada vez mais surpreendentes. Nenhuma personagem - com a óbvia excepção de Matilda - é absolutamente inocente, o que faz com que tudo seja possível nas decisões e comportamentos de todos os envolvidos. E o resultado é um crescendo de conflitos pessoais a acrescentar intensidade a uma história que é muito mais do que a do caso que Alison tem de defender.
Também a forma como a história é narrada contribui para este impacto. Tudo é visto da perspectiva de Alison, o que, tendo em conta os seus hábitos, faz com que as dúvidas e aparentes incongruências das suas relações pareçam perfeitamente enquadradas. Além disso, esta forma de contar a história reforça o impacto das dúvidas, confusões e até momentos de introspecção da protagonista, pois, ao seguir a história pelos olhos dela, é mais fácil sentir o que ela sente. E, claro, tendo em conta as revelações finais, é também interessante ver pelos olhos de Alison as coisas que lhe escaparam ao longo do caminho. Só sabemos o que Alison sabe - o que adensa o mistério e reforça o impacto de cada surpresa.
Trata-se, pois, de um livro que, cativante desde o início, vai gradualmente crescendo em intensidade e ambiguidade moral, para culminar num final tão intenso e surpreendente como os segredos que as personagens guardavam. Empolgante, misterioso e cheio de surpresas, um livro que não posso deixar de recomendar.
Título: Laranja de Sangue
Autora: Harriet Tyce
Origem: Recebido para crítica
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