A profecia de que um dia viria a matar o irmão fez com que Caim fosse amaldiçoado, condenado a vaguear pelo mundo sem que olhos alguns o contemplassem. Agora, porém, é necessário que os irmãos se reencontrem. A morte da mãe leva Abel a pedir a ajuda de Caim para a levar até à ilha santa, pois o aroma a santidade que emana do seu cadáver atrairá todo o tipo de bandidos. Quanto a Caim, só quer o ouro da ilha. Mas a viagem gera paixões e ressentimentos e aquilo que ambos procuram pode muito bem alterar-se, bem como as suas próprias naturezas.
Dando continuidade aos acontecimentos do volume anterior, mas envolvendo-os em novas camadas de estranheza e de complexidade, este é um livro que, além de revelar novas facetas do seu protagonista, mergulha de cabeça nas profundezas da sua ambiguidade moral. Caim, o maldito, não quer realmente matar o irmão e Abel não acredita que ele o faça, mas isso não significa harmonia. Além disso, Caim é tão capaz de ternura como de crueldade, de indiferença como de desespero. E Abel... bem, nem a santidade resiste a tudo e o Abel do fim deste livro é bem diferente do do início.
Mas a estranheza não fica por aqui. Há todo um conjunto de situações e personagens peculiares, desde uma comunidade de fanáticos às estranhas freiras guerreiras, passando por um estranho líder de combatentes que tem asas e se acha um cão. Tudo é, de certa forma, bizarro e um pouco louco e a forma como isto ganha vida nas páginas, sem grandes explicações, mas com um equilíbrio eficaz, desperta medidas iguais de perplexidade e fascínio - e faz com que seja impossível parar de ler.
Sendo o segundo de três volumes, não é propriamente uma surpresa que muitas coisas sejam deixadas em aberto. Ficam, de facto, muitas perguntas sem resposta, o que faz especial sentido, já que todo o percurso parece ser uma sucessão de mudanças em preparação para um destino final. Não se lhe pode, ainda assim, chamar curiosidade insatisfeita, pois é apenas curiosidade: a natural curiosidade de saber o que se segue para uma história cujo fim é ainda desconhecido, mas que, a julgar pelo caminho percorrido até aqui, vai certamente ser forte.
Intenso, bizarro e absurdamente intrigante, trata-se, pois, de um forte elo de ligação entre um início forte e um fim que promete ser explosivo em múltiplos aspectos. Pelo caminho, mostra novas facetas das personagens e proporciona uma estranha e fascinante viagem a um mundo onde violência e santidade andam de mãos dadas.
Título: Os Filhos de El Topo - Abel
Autores: Alejandro Jodorowsky e José Ladrönn
Origem: Recebido para crítica
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