sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Andrómeda ou O Longo Caminho para Casa (Zé Burnay)

O mundo é um deserto, povoado por criaturas tão letais como arrepiantes e onde os poucos refúgios não são tão seguros como parecem ser. É através deste mundo - devastado e reduzido a ruínas - que um homem caminha sem outro rumo definido que não o do caminho para casa. Mas casa é onde quando tudo é vazio e só horrores se escondem ao virar de cada esquina? Quem é o homem que caminha? Que poderes se lhe manifestam? E quanto do que vê é toca é real num mundo onde tudo parece ser uma visão?
Uma boa palavra para descrever este livro seria provavelmente... indescritível. E entenda-se isto como uma qualidade. É que tudo neste livro é tão novo, tão singular, tão único na sua visão meio onírica, meio apocalíptica, que não há muito que se possa dizer sobre o enredo - se tal lhe podemos chamar - sem dizer demasiado ou gerar confusão. A base está no título. É um longo caminho para casa. O que surge ao longo deste caminho... é estranho. E fascinante.
Todo o percurso parece assumir uma aura de visão ou de pesadelo, sendo, por isso, obviamente a arte que se destaca. E também aqui há singularidades. Em primeiro lugar, o detalhe impressionante dos grandes cenários, que tornam quase tangível a potência mística destes sonhos ou visões. Em segundo, o facto de grande parte dos acontecimentos ocorrerem sem diálogo, o que significa que grande parte da história (mais uma vez, se assim se lhe pode chamar) vive de movimentos, acções e expressões. E, em terceiro lugar, o poderoso silêncio, quase palpável, que quase parece transbordar das páginas. É por um mundo quase deserto que o errante protagonista deste livro deambula. E, assim sendo, os diálogos são pontuais, ainda que também fascinantes na sua singularidade. Mas é no silêncio que estão os momentos mais notáveis e as visões mais poderosas.
E quanto ao caminho para casa... como dizer? Num livro onde tudo é tão intrincado e estranho, não são propriamente de esperar conclusões limpas e perfeitas. Importa, pois, dizer só que, com toda a ambiguidade que fica das respostas possíveis, a forma como tudo termina enquadra-se perfeitamente na imensidão desértica e de pesadelo que marca os passos do protagonista.
Visualmente poderosíssimo, fascinante no cenário singular que traça para as deambulações da sua figura central e arrepiante na forma como entrelaça silêncio e palavras, eis, pois, um livro memorável em todas as suas facetas. E indescritível, como disse, mas também por isso impressionante.

Autor: Zé Burnay
Origem: Recebido para crítica

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