terça-feira, 13 de outubro de 2020

Poemas em Tempo de Peste (Eugénio Lisboa)

Dadas as vicissitudes provocadas por um certo coronavírus, é bem provável que 2020 seja recordado durante bastante tempo como o ano da pandemia. E, embora não sendo propriamente uma peste medieval, trouxe consigo muitas mudanças, a começar pelos meses de confinamento. Bem, é desses meses que data a grande maioria destes poemas "em tempo de peste". Alguns um pouco mais introspectivos, outros até melancólicos e outros, claro, destinados a - como diz o autor - "lavar o fígado" em forma de sátira. O resultado? Bem, o resultado é, no mínimo, interessante.
Se tivermos em conta o título deste livro, não é propriamente uma grande surpresa que a tão omnipresente Covid-19 seja fonte e tema de vários destes poemas. Mais surpreendente é que esta influência conduza a associações menos óbvias, mas igualmente certeiras. Ao longo deste pequeno livro, há espaço para um pouco de tudo, desde a reflexão sobre certos efeitos do confinamento, como um maior isolamento e até uma certa solidão, às manifestações mais bizarras da vida política e social do país. Há espaço para a introspecção, para o expressar de afectos e tristeza, e há espaço sobretudo para a sátira, mais ou menos direccionada, mais ou menos dura, mas sempre bastante presente neste livro.
Outro aspecto que sobressai é a presença de outros autores - sob a forma de versos específicos sobejamente conhecidos - como ponto de partida para uma formulação muito distinta. Basta olhar por exemplo para a versão alternativa da Nau Catrineta ou para a reconstrução de um "Amor é fogo que arde..." de uma maneira diferente. São bases conhecidas para algo que acaba por se tornar diferente, moldando uma mistura de familiar e de novo que se torna especialmente cativante.
Um último ponto que importa destacar são as assinaturas, se assim lhe podemos chamar, complementadas por breves e certeiras observações sobre o conteúdo dos poemas. Pode ser a simples admissão do já referido "lavar de fígado" ou uma caracterização do estado de espírito que inspirou o poema. O que é certo é que estas observações fazem do autor como que uma personagem, tornando a leitura mais próxima, mesmo naqueles poemas em que o impacto parece ser um pouco menor.
Breve, mas muito peculiar e com um surpreendente equilíbrio entre sátira e introspecção, trata-se, pois, de uma leitura ligeira, mas sempre cativante. Reflexão sobre o confinamento, sátira a algumas figuras peculiares destes chamados "tempos de peste" e reconstrução, até, de uma certa nostalgia, um livro que se lê em muito pouco tempo... mas que deixa a vontade de lá regressar.

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