Gideon Falls é um local singular, reflectido em múltiplas identidades ligadas pelo que parece ser uma fissura causada por uma experiência que correu mal. É, pelo menos, essa a teoria, ainda que sejam muito mais as perguntas do que as respostas no que toca ao que as personagens sabem sobre o Celeiro Negro e tudo o que ele implica. Uma coisa é certa, há algo de tenebroso vindo do suposto centro, algo que espalha o caos por onde quer que passe. E é com esta sinistra e sorridente criatura que Norton, Angela, Clara e Fred têm de lidar seja de que forma for. Até porque agora... a criatura já não é só uma sombra no celeiro. E espalha morte à sua passagem.
Uma das coisas que nunca deixam de surpreender a cada volume desta série é a sua persistente estranheza. Há aspectos que se tornaram familiares, como o Celeiro, o sorriso diabólico, a desconstrução dos cenários e a percepção de uma realidade basicamente indescritível. Mantém-se, contudo, a singularidade em todos estes aspectos, pois, embora comecem a surgir algumas respostas, as repercussões continuam a ser surpreendentes e inexplicáveis e o mesmo se aplica à forma como as personagens lidam com elas.
Também a componente visual é singular e também isto já vem de trás. E, tal como acontece com a história propriamente dita, também na arte a familiaridade (relativa) não diminui em nada o seu impacto. As grandes dispersões, os jogos de escuridão no próprio centro, as diferenças entre as múltiplas versões de Gideon Falls... tudo isto pode ser agora mais conhecido, mas não deixa de impressionar e de acrescentar novos elementos ao virar de cada página. Além disso, esta constante estranheza - com os elementos de metamorfose kafkiana - contrasta poderosamente com a expressividade humana das personagens (figura sorridente à parte) e realça a força de certas decisões com que algumas personagens acabam por ser confrontadas.
Ainda um outro ponto surpreendente é a forma como, no meio de desenvolvimentos cada vez mais sombrios, continua a haver espaço para rasgos de emotividade, seja nas decisões difíceis tomadas por Norton, seja nas perdas e reencontros que vão acontecendo ao longo do caminho. E, sendo certo que este volume culmina num grande desenvolvimento, que promete que tudo será diferente a seguir, não deixa de ser muitas vezes nos gestos pessoais que está a sua máxima força. Que consequências virão depois é um mistério - mas não falta intensidade a cada passo.
O que fica deste novo volume é, pois, o mesmo equilíbrio entre estranheza e proximidade que, a cada nova revelação, torna tudo ainda mais intenso. Imagens tão singulares como marcantes, personagens aparentemente devastadas, mas firmes na sua personalidade, e um enredo que nunca pára de surpreender. É Gideon Falls no seu melhor, em suma. E promete ainda mais.
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