No futuro, tudo é planeado por algoritmos e ajustado às necessidades de cada utilizador. A sociedade está organizada por níveis, as lojas de entrega por correspondência enviam os produtos desejados pelos seus clientes antes mesmo de eles pensarem neles e deixou de ser preciso de tomar decisões, porque o sistema trata disso. E quanto ao regime? Bem, o voto deixou de ser secreto, pois tudo é gerido por perfis, o que significa que são os próprios algoritmos a sugerir o candidato mais adequado ao votante. Tudo está automatizado - incluindo o ódio e os preconceitos. Mas, se o sistema é perfeito e as máquinas não cometem erros, então porque se verificam fenómenos estranhos? Porque é impossível devolver um produto indesejado ou reparar uma máquina? E porque procuram as máquinas esconder as suas falhas, pois sabem que admiti-las pode ser o fim? Afinal, talvez os algoritmos possam estar errados. E é exactamente isso que Peter quer provar.
A primeira qualidade que importa destacar neste livro é relativamente óbvia, mas também por isso mesmo particularmente eficaz. Refiro-me aos abundantes paralelismos entre este mundo e nosso, com o expectável exagero associado à sua satirização, mas com uma perspectiva assustadoramente certeira. Desde os meandros da campanha eleitoral à proliferação dos comentários de ódio na internet, passando pela xenofobia, a reformulação da história para servir os próprios fins e a associação do valor à popularidade, QualityLand pode ser um mundo muito diferente, mas chega a ser arrepiantemente próximo. E é assim que uma leitura essencialmente leve e divertida se mostra também carregadinha de material para reflexão.
Tem também, naturalmente, a sua dose de estranheza, ou não fosse parte do que leva Peter a dedicar-se à sua missão a entrega por engano de um vibrador em forma de golfinho. Mas é particularmente notável a forma como a estranheza e as particularidades do sistema - e, bem, de alguns hábitos das personagens também - acabam por fluir com naturalidade, proporcionando uma leitura que não é simplesmente cativante. É viciante do início ao fim.
E, claro, pode ser uma história do futuro, mas o que não falta são referências ao nosso presente, desde atrizes a livros, passando pela surpreendente presença de alguns filmes populares. Ora, além de gerarem familiaridade no meio da estranheza, estes elementos estão também, muitas vezes, na base de alguns momentos especialmente divertidos, o que contribui também para fazer com que seja quase impossível parar de ler.
Sátira certeira, história empolgante, leitura divertida e base para reflexão. Tudo isto serve para descrever este QualityLand. E, em todas estas facetas, no estranho e no familiar, é sempre uma leitura cativante, surpreendente e muito, muito viciante. Recomendo.
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