quinta-feira, 13 de maio de 2021

Reiniciar (Katherine May)

Ao longo da vida, existem períodos em que as dificuldades da vida nos levam a uma retração, a uma busca de isolamento, de confortos solitários. Num mundo frenético, onde a necessidade de fazer algo acelerou os ritmos da vida, pode ser a aparição de uma doença, a ameaça de uma perda ou algum tipo de mudança radical para pôr em causa as exigências de uma rotina que se tornou opressiva. E então surge o inverno - não o inverno físico, mas um inverno mental, íntimo, pessoal, que reflete, em certa medida, a estação das chuvas, das neves e do frio. É este inverno - como ponto de partida para um recomeço - que este livro pretende apresentar.
Provavelmente o aspeto mais marcante neste livro é o estranho e fascinante equilíbrio que constrói entre aspetos aparentemente distintos. Há o percurso pessoal, traçado entre diferentes invernos e diferentes períodos de tribulação, há a introspeção, que se torna meditação sobre o mundo atual e as suas normas por vezes sufocantes, e há ainda os elementos quase de curiosidade - abelhas, auroras boreais e o funcionamento dos mergulhos em pleno inverno - que, apesar de mais distantes, servem para estabelecer paralelismos não só com o percurso pessoal, mas também com a humanidade em geral.
Outro ponto notável vem da voz da autora e de uma escrita onde não faltam frases memoráveis e rasgos de uma certa poesia, capaz de transpor este registo intimista para algo de mais vasto e de facilmente identificável. Podemos não ter - e não temos, certamente - as mesmas experiências específicas que este livro nos conta, mas reconhecemos as sensações e as palavras dão-lhe vida. Reconhecemos o cansaço de uma vida demasiado ocupada, a dúvida sempre que tomamos uma decisão difícil, a insegurança de não sermos - de não podermos - ser o que devíamos. De forma diferente? Claro. Mas o sentimento é familiar.
É um livro de ritmo lento, pois, em certa medida, reflete a cadência pausada do inverno em que habita. Exige algum tempo para assimilar, não porque seja particularmente rebuscado, mas porque explora estados de espírito complexos e complementa-os com os labirintos da própria vida. Mas vale a pena dedicar-lhe esse tempo, pois a viagem que traça pode ser pessoal, mas não é intransmissível. E é fácil encontrar um  bocadinho de nós neste percurso singular.
Inverno, mas um inverno diferente. Reinício, mas um reinício que não apaga o antes. E vida, do tipo que persiste para lá das sombras. São estas, enfim, as peças que compõem este livro, pausado, mas sempre cativante, e com uma escrita belíssima na sua introspeção. Vale a pena viajar por estas páginas... e guardá-las connosco bem depois do fim.

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