segunda-feira, 7 de março de 2022

A Rapariga que Roubava Livros (Markus Zusak)

Todos vamos morrer. É um facto incontornável. Mas há anos em que a morte parece ter mais trabalho do que em décadas inteiras - anos de guerra, de brutalidade, de devastação. Como os anos em que esta história acontece. E quando a morte tem uma história para contar, é porque deve ser importante. E a história de Liesel Meminger e da sua gloriosa carreira a roubar livros, a partilhar pequenas dádivas, a guardar segredos e a sobreviver por entre o caos, consegue tocar o coração da própria morte. É essa a história que a morte tem para nos contar: uma história de vida e de inocência perdida em anos de destruição.
É difícil apontar que partes sobressaem da incomensurável beleza deste livro, porque todo ele é beleza, o tipo de beleza que irradia da escuridão mais sombria. Tudo nele converge para criar um todo tão vasto e impressionante que olhar para as partes significa inevitavelmente deixar algo de importante por dizer. Ainda assim, talvez seja possível apontar alguns aspetos, alguns pontos de partida. Porque o impacto verdadeiro... bem, só mesmo embarcando nesta viagem. Tentemos, ainda assim.
O primeiro ponto a suscitar curiosidade para esta história será, naturalmente, a singularidade do narrador. Trata-se de uma história contada pela morte, e por uma versão da morte que é ela própria uma personagem fascinante, com fantasmas e sombras interiores e uma forma de expressão poderosíssima. Assume, aliás, um registo surpreendentemente próximo, o que faz com que cada desenvolvimento, cada pequeno rasgo de luz ou explosão de destruição, tenha um impacto ainda mais intenso.
Outro aspeto impressionante é a singularidade da construção desta história, feita de elementos que todos reconhecemos da história mundial, mas transformada em algo de único pela forma como as suas muitas facetas se conjugam. Escusado será mencionar os factos da guerra, as atrocidades da época e as dificuldades vividas então pelas pessoas comuns. São mais que conhecidos e surgem em inúmeros outros livros. Ainda assim, há algo de irrepetível na forma como o autor constrói, através de todos os elementos, um percurso vasto e singular para as suas personagens, com algo capaz de ecoar nos corações de todos, mas que o distingue de todas as outras histórias.
E, claro, o impacto emocional é devastador. Os contrastes entre inocência e brutalidade, entre os pequenos rasgos de ternura e a crueldade implacável ao virar de cada esquina, entre o mundo interior das palavras e a dura realidade que nada - nem todos os sonhos, nem todas as histórias do mundo - pode mudar. É o tipo de livro que tanto arranca lágrimas como gargalhadas, que se aninha no coração e na memória. Que nunca se esquece, não só pelo impacto global, mas pelo poder insondável dos pequenos momentos.
É um livro glorioso no seu retrato da devastação. Uma história inesquecível na sua convergência da máxima luz e da máxima crueldade. E uma viagem maravilhosa ao coração das palavras, que brilham, ainda e sempre, mesmo no coração das trevas. Belíssimo, poderoso e absolutamente avassalador, um livro impossível de apagar da memória.

1 comentário:

  1. Olá Carla :)
    Este livro é daqueles que fica inevitavelmente do coração do leitor. Dei-lhe 5 estrelinhas quando o li em 2015.
    Um beijinho,
    Rosana

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