terça-feira, 7 de agosto de 2012

Do Androids Dream of Electric Sheep? (Philip K. Dick)

A Terra tornou-se um lugar de devastação. Para os que prevaleceram, apesar das consequências da guerra, a opção mais segura parece ser abandonar o planeta - pelo menos, aqueles que ainda estão autorizados a fazê-lo. É neste cenário que Rick Deckard desempenha as suas funções. Enquanto caçador de prémios, a sua missão é eliminar os andróides que fogem para a Terra, e Rick é bom no que faz. Mas o dia em que a maior missão da sua vida lhe é entregue - eliminar seis andróides de um tipo particularmente avançado - é também o dia em que começa a questionar o mundo e o seu papel. Nesse momento, Rick deixa de ser apenas o polícia que aceita o seu papel e tem como máxima aspiração ser dono de um animal verdadeiro, para se descobrir num labirinto de estranheza em que nada do que vive é exactamente o que parece e as consequências da sua missão começam a parecer-lhe demasiado pesadas.
É difícil escolher um ponto a partir do qual começar a falar sobre este livro, tantas são as coisas que chamam a atenção ao longo da leitura. Mas se há um elemento que sobressai e que parece ser uma característica presente ao longo de toda a obra é a sensação de uma vaga estranheza, resultante do sistema apresentado, mas, e principalmente, das mudanças inesperadas que, ocasionalmente, abalam o rumo dos acontecimentos. Sempre que as circunstâncias começam a tornar-se familiares, algo de inesperado acontece, seja para revelar planos inesperadamente complexos, seja simplesmente porque uma personagem importante (normalmente Rick, mas não só) ganha uma nova percepção da situação que o envolve. Evidencia-se, pois, em toda a história esta estranheza que reflecte um mundo complexo ao ponto de as próprias personagens terem dificuldade em compreender, estranheza que evoca também, por vezes, algo de melancolia, associada a uma percepção de total solidão na existência de algumas dessas personagens.
O ambiente apresentado é fascinante. Sombrio, também, na sua devastação, adequa-se na perfeição ao tipo de comportamentos que caracteriza os que o povoam. Ao explorar a empatia como barreira que separa os humanos dos andróides, levantam-se, desde logo, muitas questões relevantes. Os testes de medição de empatia e a possibilidade de que estes possam falhar questiona as razões para o surgir da empatia, enquanto que as dúvidas crescentes de Rick servem de base a uma marcante reflexão sobre o que é ou não digno dessa empatia. Além disso, a empatia está também na base de um sistema de crenças e de controlo de emoções, o que serve de base para o desenvolvimento de um sistema que, não sendo exaustivamente explorado, tem muito de interessante, bem como para uma interessante abordagem ao poder (e à fragilidade) da crença.
A nível de personagens, é, como seria de esperar, Rick a figura que se destaca, já que é do seu papel no mundo e da jornada de reflexão em que o seu estranho dia acaba por se tornar que vive grande parte da narrativa. Mas não é o único a marcar ao longo desta história. Outra figura sobressai entre os humanos, não só pelo papel que, quase inconscientemente, acaba por assumir junto dos andróides, mas principalmente pela sua própria visão do mundo do ponto de vista dos mais frágeis. Isidore é o retrato pessoal das consequências da guerra, mas também a imagem de um alvo do preconceito para com a diferença, uma figura vulnerável e quase inocente que acaba por estar no centro dos momentos de maior impacto emocional de toda esta história. A quase necessidade de Isidore de fazer alguma coisa bem, de ser alguma coisa de útil, é enternecedora, e particularmente comovente por se situar no centro de um mundo de estranheza. De certa forma, completa o percurso de Rick na percepção do mundo, já que a vive de forma mais inocente, mas partilhando, ainda assim, a mesma crença essencial.
Construído em ambiente de estranheza, mas abordando uma série de questões universais, Do Androids Dream of Electric Sheep? cativa tanto pela complexidade e pela singularidade das circunstâncias apresentadas, como pela melancolia e pela quase ternura que parece surgir da história das suas personagens. Uma história que é tanto de perigo e de acção como de compreensão e de descoberta, que se faz tanto nos momentos mais estranhos como na beleza das pequenas coisas. E é a conjugação de tudo isto, tudo, desde o fascínio da estranheza à reflexão sobre a natureza humana, que faz deste livro uma obra tão marcante na sua complexidade. Impressionante.

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